"Pode ser que sim. Pode ser que não. Não posso garantir." - in Astérix, A Volta à Gália

24.10.07

A Sombra da Catedral dos Hussardos de Cabul

Mais por acaso que por outra razão qualquer andei ultimamente a ler umas quantas obras de autores espanhóis, coisa que habitualmente não fazia muito (também por razão nenhuma em particular, apenas porque não calhava). A conclusão a que vou chegando é que, pelo menos para este efeito, os ustédes são como as outras pessoas: uns melhores e outros piores, com uma maioria de assim-assins pelo meio.

A minha amostra é tão absolutamente aleatória que deve ter um alto valor científico. A avaliação baseia-se no mesmo número de obras por autor (uma, concretamente). O único género testado foi o romance. Comecei pelo Pérez-Reverte e estou a acabar no Montalbán, tendo entretanto passado pelo Falcones e pelo Zafón. Note-se que esta familiaridade (o Falcones para cá e o Zafón para lá) é a posteriori; até agora só sabia da existência dos outros dois, o Reverte e o Montalbán, e nunca tinha lido nada de nenhum.

O primeiro que se me atravessou no caminho foi O Hussardo, de Arturo Pérez-Reverte. Não fora o caso de ter ouvido uma entrevista do Arturo, em que só lhe faltou negar peremptoriamente a autoria deste livro, e nunca mais iria ler nada deste ustéd. É daqueles que só se lê até ao fim porque é mesmo pequenino. Nem sequer chega a ser mau, é só de uma inutilidade total. Bem espremidinho, talvez desse um capítulo interessante para um livro como deve ser. Adiante.



Seguiu-se A Catedral do Mar, de Ildefonso Falcones. Este sim. De longe o melhor dos quatro. E o maior também, que é uma coisa que me agrada nos livros que me agradam. Aquilo dá voltas e voltas e mais voltas, sem nunca chegar a enrolar-se irremediavelmente. Notável. A única decepção que me causou foi, pouco tempo depois, ver ao vivo a dita Catedral (mais conhecida localmente por Basílica). Nunca tinha ido a Barcelona e, à conta do Falcones, não descansei enquanto não fui lá meter o bedelho. Quem tenha lido ou venha a ler a coisa há-de concordar que o mínimo que se espera é que as pedras tenham uns três metros de largo por dois de altura e um de fundo. Vai-se a ver e são umas pedritas banalíssimas. Nada que tire beleza à Basílica (nem ao livro).



(Atenção agora: contém spoilers)

Sem sair de Barcelona, passei para A Sombra do Vento, de Carlos Ruiz Zafón. Este intrigou-me particularmente. Que vendeu não sei quantos milhões de exemplares em meia hora, que ganhou os prémios todos e mais alguns, que isto e aquilo e mais o outro... Esqueçam isso tudo. Façam como eu devia ter feito: vejam a foto da capa, que não é má de todo, atentem um bocadinho no título e sigam o instinto que vos diz que alguém capaz de escrever um livro de jeito também seria capaz de lhe arranjar um nome em condições. A Sombra do Vento... Sinceramente. Uma coisa tem que se reconhecer ao Zafón: com um título destes ninguém pode dizer que foi ao engano. A Sombra do Vento. Sem falar em tudo o resto, que é igualmente mau, confesso que fiquei siderado com o truque de ele e ela, os apaixonados até à morte, serem irmãos e não saberem. Julgava que havia uma espécie de acordo tácito entre escritores e leitores para não se voltar a usar esse número fora do domínio das telenovelas. O embuste é de tal ordem que lá para o fim, quando o narrador-protagonista diz que morreu daí a sete dias, a gente já nem se admira. Aliás, até dá algum sentido a tudo o resto, na medida em que dificilmente se podia exigir a um morto que escrevesse como deve ser. Claro que no finzinho mesmo o gajo afinal não morreu. Infelizmente, diga-se. Sempre seria uma pequena consolação para os desinfelizes de juízo que lêem aquela porcaria toda.



Finalmente, eis-me chegado ao famoso Montalbán, Manuel Vásquez. Tendo sobrevivido tão recentemente ao Zafón, não quis abusar da sorte e a páginas 50 já o pus de lado. Bacoco, bazaroco, fraquinho fraquinho, mau, muito mau, péssimo, possidónio, presunçoso, pindérico, apalermado: a dificuldade está em sintetizar tudo o que se poderia e deveria dizer sobre Rumo a Cabul (cuido que seja este o nome do livro, porque aquilo vem adornado com Milénio I e Série Pepe Carvalho, para além dos habituais nomes do autor e da editora). Pode ser só azar meu, porque tanto quanto me é dado perceber o homem escreveu uns quinhentos livros, trezentos dos quais com este Pepe Carvalho (mais um caso para seguir os instintos básicos: Pepe Carvalho...), podendo este ser apenas um dos poucos que enfim, coitadinho...

Conclusões e moral das histórias: pelo seguro, acho que me vou manter tão longe do Montalbán como do Zafón; vou dar uma segunda oportunidade ao Reverte; se me aparecer mais alguma coisa do Falcones marcha imediatamente, na plena consciência de que poderá não estar à altura da Catedral; 50% dos romances espanhóis não valem um calamar; na dúvida, como em quase tudo, é de evitar aqueles de que mais se fala. E olé.

19.10.07

Como dizia o outro

"O silêncio é um dos argumentos mais difíceis de refutar."
Josh Billings (whoever he may be)

21.9.07

Blog temporariamente em desconstrução

Como talvez não tenha escapado aos menos desatentos, o Desinfeliz atravessa um período sabático. Um time out. Um break, even.

Derivado ao agnosticismo do principal e único irresponsável, que não se pode confundir com ateísmo, o Desinfeliz, à cautela, está a apostar nos cavalos todos. Num assomo de ecumenismo sem paralelo desde os dias de João Paulo II sobre a Terra, o Desinfeliz está a pôr em dia todos os sabbats, domingos, jejuns pascais, Ramadões e similares que não respeitou ao longo de décadas de empedernida descrença. Dias santos para os poucos mas bons clientes habituais, portantos.

Agora o que ninguém pode prometer, nem mesmo o Desinfeliz, é que o estado de graça dure sempre. Veja-se o exemplo desse outro José, o Mourinho, para já não ter de recuar ao outro, o de Jacob e Raquel, e às suas sucessivas espirais de ascensão e queda.

E eis que com tudo isto já se quebraram, despropositadamente, os votos de silêncio que ainda há meia dúzia de linhas atrás se professavam. Ai Desinfeliz, Desinfeliz.

5.9.07

O Setembro Negro e os 11 de Israel


Foram os primeiros Jogos Olímpicos de que me lembro. E também o primeiro atentado terrorista. Recordo que estava animadamente a fazer a colecção de cromos (dos Jogos, não das facções e fracções armadas), que tinham umas caricaturas muito engraçadas... pareciam uma coisa divertida e positiva, as tais das Olimpíadas. Até aparecer aquela modalidade de matar e raptar os israelitas. Será daí que me veio a simpatia pela causa dos filhos de Jacob? Duvido. Mas, mais tarde, quando essa simpatia começou a nascer, deve ter encontrado fertilizante nessa memória recôndita. Faz hoje 35 anos.

O que é que acabará primeiro? Os Jogos Olímpicos ou o terrorismo deste género? Algo me diz que não será Medinat Yisra'el (ou Daulat Isra'il, ישראל para os amigos)...

3.9.07

Waugh again

"It is a curious thing... that every creed promises a paradise which will be absolutely uninhabitable for anyone of civilized taste."

Esta, por sua vez, lembra-me outra, de autor anónimo, que dizia que quando morresse não queria ir para o céu, porque certamente não iria encontrar lá ninguém conhecido.

La Rentrée

"Instead of this absurd division into sexes they ought to class people as static and dynamic."
(Evelyn Waugh)

O Desinfeliz, que nunca terá sido um caso extremo de dinamismo, andou estatizado durante uns bons tempos. E agora, é isto. De volta, para o bem e para o mal. Com frases dos outros, que dão muito menos trabalho.

14.8.07

À saúde das frases dos outros

"Resolvi fazer dieta: cortei na bebida e na comida. Em catorze dias perdi duas semanas."

Na versão original, da irresponsabilidade de Joe E. Lewis, cantor e comediante norte-americano (1902-1971): I went on a diet, swore off drinking and heavy eating, and in fourteen days I lost two weeks.

E com esta regressamos.

30.7.07

Mais uma frase dos outros doidos

"Os gauleses bebem... e os romanos comem!"

By Goscinny (e Uderzo também, há que ser justo) in Como Obélix Caiu no Caldeirão do Druida Quando Era Pequeno. O que os gauleses bebem é, naturalmente, poção mágica. O que os romanos comem só os próprios sabem, e mesmo esses só no dia seguinte.

O porquê das frases dos outros

"O sol anda todos os dias a ocidentalizar-se, mas é de noite que se orienta."

Esta é minha. Acho eu. Daí preferir usar as dos outros. Não sei o que é que me deu para pôr isto aqui. Ainda por cima não posso garantir que não faço outra destas.

Mais uma frase aqui em cima e mais um link lá em baixo

Começando pelo mais importante: o Mackintóxico, blog daquele que é provavelmente o melhor director de arte do mundo, está , para quem quiser provar e comprovar a veracidade da afirmação (que aliás está sempre salvaguardada com o tão politicamente correcto como irritante 'provavelmente').

Passando à frase (indecentemente gamada do Mackintóxico e que não sei a quem mais atribuir):

"Fuck Christmas, I got the blues."

E é isto. Não sei se já deu para perceber que o Desinfeliz recomenda uma visita ao Mackintóxico...

Retomamos as frases dos outros

"Falo Espanhol com Deus, Italiano com as mulheres, Francês* com os homens e Alemão com o meu cavalo."

* Porquê Francês com os homens? Porque a frase é atribuída ao Imperador Carlos V de Inglaterra (I de Espanha), cujo viveu no século XVI. Dita hoje a frase teria certamente o Inglês no lugar do Francês, que já só serve para falar com franceses (vá-se lá saber para quê) e com alguns belgas.

15.7.07

Continuo a adorar as frases dos outros

"Tinha uma sinceridade para cada momento."

Esta é do velho O'Neil. Calha que era sobre o Vinicius de Moraes, mas também se aplicava bem ao próprio Alex.

Entre muitíssimas pérolas de rara beleza, a biografia literária do O'Neil (por Maria Antónia Oliveira)
deu-me a reconhecer que

As escarretas que saem das tabernas
não voltam a entrar.
Ou ficam nas bermas
ou em quem vai a passar.


Lindo. E verídico. Quando a verdade a impregna, a poesia agiganta-se.

There and back again...

Desinfelizmente de volta. Acabou-se o que era doce. Gaita. Rais parta. Que maçada. Mas enfim. Ressuscita-se ligeiramente o blog (ou o blogue, tanto faz) e prontos.

30.6.07

Adoro as frases dos outros (III)

"Estou a afogar-me nos abismos da minha preguiça".

Esta é da autoria da senhora minha filha, Maria Pilar. E frase nenhuma poderia descrever melhor o estado de espírito do Desinfeliz e o facto de o mesmo ter apenas interrompido com este ligeiro sobressalto a sua prolongada letargia, que vai prolongar-se ainda mais. O Desinfeliz vai a banhos a partir de amanhã (que já é hoje).

Adoro as frases dos outros (II)

"Nenhum trabalho é melhor que trabalho nenhum"

Esta, de autor/a anónimo/a, está escrita numa parede da Rua Dom Carlos de Mascarenhas, se é que é assim que se chama, ali a Campolide. Quem reparou nela foi a minha filha. E não há mais nada que se possa acrescentar a uma frase destas.

Adoro as frases dos outros (I)

"Corra Portugal de lés a lés
com meias Ferrador nos pés"


Esta vi-a estampada numa carrinha de transporte da certamente reputada marca de peúgas mencionada no fabuloso 'claim', 'slogan', 'assinatura' ou o que se quiser. E quase me fez estampar-me a mim próprio e ao meu respectivo automóvel, em plena 2ª Circular, por alturas do Estádio do Glorioso, que foi quando dei com a carrinha e a frase à minha frente. Saquei do telemóvel, contra todas as leis rodoviárias e do bom senso, e anotei-a. Porque o raio da memória já não é o que era... Mas as boas frases são sempre boas. E mai nada.

14.6.07

Humor lá de baixo, sempre em cima

Mais um exemplo supostamente real e oficial de humor australiano. Tal como o anterior (clicar lá em baixo, em Soltinhas, e depois fazer o favor de procurar e encontrar o post intitulado Humor lá de baixo, ilustrado com um aviãozinho e tudo), este rol chegou-me via mail. Será provavelmente um clássico e eu o último nauta a recebê-lo. Mas achei-lhe piada, que quereis que vos faça? Entre as paredes lá de casa ou as do escritório e o blog, decidi afixá-lo neste.

Tal como no já referido caso pretérito, optei por não me meter a traduzir. My sincere appy polly logies a quem não domina o Inglês and what not. Here we go then, mates. Ou seja, lá vai o copy paste do forward.


The questions below about Australia are all from potential visitors. They were posted on an Australian Tourism Website and the answers are the actual responses by the website officials, who obviously have an excellent sense of humor.

Q: Does it ever get windy in Australia? I have never seen it rain on TV, how do the plants grow? (UK).
A: We import all plants fully grown and then just sit around watching them die.


Q: Will I be able to see kangaroos in the street? (USA)
A: Depends how much you've been drinking

Q: I want to walk from Perth to Sydney - can I follow the Railroad tracks? (Sweden)
A: Sure, it's only three thousand miles, take lots of water.

Q: Is it safe to run around in the bushes in Australia? (Sweden)
A: So it's true what they say about Swedes.

Q: Are there any ATMs (cash machines) in Australia? Can you send me a list of them in Brisbane, Cairns, Townsville & Hervey Bay? (UK)
A: What did your last slave die of?

Q: Can you give me some information about hippo racing in Australia? (USA)
A: A-fri-ca is the big triangle shaped continent south of Europe. Aus-tra-lia is that big island in the middle of the Pacific which does not... oh forget it...Sure; the hippo racing is every Tuesday night in Kings Cross. Come naked.

Q: Which direction is North in Australia? (USA)
A: Face south and then turn 180 degrees. Contact us when you get here and we'll send the rest of the directions.

Q: Can I bring cutlery into Australia? (UK)
A: Why? Just use your fingers like we do.

Q: Can I wear high heels in Australia? (UK)
A: You're a British politician, right?

Q: Are there supermarkets in Sydney and is milk available all year round? (Germany)
A: No, we are a peaceful civilization of vegan hunter/gatherers. Milk is illegal.

Q: Please send a list of all doctors in Australia who can Dispense rattlesnake serum. (USA)
A: Rattlesnakes live in A-meri-ca which is where YOU come from. All Australian snakes are perfectly harmless, can be safely handled and make good pets.

Q: I have a question about a famous animal in Australia, but I forget its name. It's a kind of bear and lives in trees. (USA)
A: It's called a Drop Bear. They are so called because they drop out of Gum trees and eat the brains of anyone walking underneath them. You can scare them off by spraying yourself with human urine before you go out walking.

Q: Do you have perfume in Australia? (France)
A: No, WE don't stink.

Q: I have developed a new product that is the fountain of youth. Can you tell me where I can sell it in Australia? (USA)
A: Anywhere significant numbers of Americans gather.

Q: Can you tell me the regions in Tasmania where the female population is smaller than the male population? (Italy)
A: Yes, gay nightclubs.

Q: Do you celebrate Christmas in Australia? (France)
A: Only at Christmas.

Q: I was in Australia in 1969 on R+R, and I want to contact the girl I dated while I was staying in Kings Cross. Can you help? (USA)
A: Yes, and you will still have to pay her by the hour.

Q: Will I be able to speak English most places I go? (USA)
A: Yes, but you'll have to learn it first

11.6.07

Tuguíadas com concorrência de peso


"(...)
E entre gente remota identificaram
Novo reino, que tanto sublimaram.
"
Aníbal Cavaco Silva, P.R.P., 10/6/MMVII

O Desinfeliz é edificante! O Desinfeliz é um marco na História! De Portugal e da Literatura! O Desinfeliz é a vanguarda, não da classe operária, que está em total declínio e não interessa a ninguém, mas da classe apolítica, que é em si mesma a vanguarda, para não dizer a herdeira, da classe política, também ela inapelavelmente ultrapassada pelo espírito dos tempos.

A classe apolítica, superiormente representada pelo Presidente Aníbal Cavaco Silva, num breve mas elucidativo momento de desinspiração, que não pode senão ter sido inspirado no Desinfeliz, assinalou o 10 de Junho com uma versão alternativa d'Os Lusíadas. Apresentado ao Mundo, incluindo Portugal e as Comunidades Portuguesas, como uma referência a Camões, tratou-se na verdade de um discreto piscar de olhos a'Os Tuguíadas (para não lhe chamar plágio).

Cavaco, um homem mais pragmático e menos auto-limitado que o Desinfeliz, levou a sua versão d'Os Lusíadas mais longe, em termos formais. Tomou liberdades com a métrica, acrescentando uma sílaba, coisa que o Desinfeliz tem tentado evitar. Mas é isso que se espera de um Presidente, e que não se pode exigir a um mero blog: acrescentar qualquer coisa. Para atadinho, já tivemos o Sampaio.

1.6.07

Um bom filme é...


Em querendo, tudo se pode complicar à exaustão. Mas há quem tenha o dom de não o fazer. Há quem use o poder do cérebro para simplificar e não para confusionar, tal como há quem use os dedos para tocar piano e não para tirar macacos do nariz.

Não é o meu caso, como qualquer blogoleitor minimamente atento e isento pode constatar por aí abaixo. Socorro-me, por isso, do poder dos outros. Cito os mestres, tentando apenas respeitá-los, sendo tão fiel às suas palavras quanto me é possivel.

Vamos a um caso concreto. O tema, como o título e a imagem poderão, de alguma forma, indiciar, é Cinema. Em conversas sobre o tema cai-se, por vezes, na questão primordial de saber qual é o critério, se é que o há, para distinguir um bom filme de um filme que não é bom. E, muitas dessas vezes, quando se resvala para a metafísica do cinema albanês ou para a análise semântica do frame contra-picado, não se chega, obviamente, a lado nenhum. Perde-se, quase sempre, a vontade de ir ver o filme que despoletara a conversa e muda-se de assunto. Mas já é tarde de mais, a cabeça já não quer saber de mais assunto nenhum.


Tenho um amigo que por sua vez tem outro amigo (do qual, infelizmente, não sei o nome, para lhe prestar a justíssima homenagem que merece) que tem sobre esse assunto uma visão 100% objectiva. A Lei de X (sendo X o amigo do meu amigo) é simplicíssima. Pode não se concordar com ela, tal como pode não se concordar que o limite máximo de velocidade numa auto-estrada seja de 120 Km/h. Mas é impossível dizer-se que não se entendeu o conceito.

Para contextualizar minimamente a Lei e apreciar simultaneamente a simplicidade cristalina com que se aplica, supunhamos que fomos ver o filme Y. O amigo X não viu o filme. Encontramos o amigo X e dizemos-lhe:

"Fui ver o filme Y. Viste?"

"Não", diz o amigo X. "É um bom filme?"

Aqui, nós, os que não conhecemos o amigo X, sem o saber já nos estamos a aproximar muito da Lei de X. Estamos à beirinha de a conhecer. Seja o que for que dissermos, ele vai enunciá-la, em termos que qualquer imbecil entende. Porque, seja o que for que nos ocorra dizer ou perguntar, só irá no sentido de complicar a questão. E o amigo X não vai por aí. Vamos supor que a nossa pergunta é:

"O que é para ti um bom filme?"

"Tem mamas?", é a questão que o amigo X prontamente coloca.

"Desculpa...?"

"Perguntei-te se tem mamas. Há alguma parte do filme em que se vejam as mamas de uma gaja? Nem que seja só por um bocadinho?"

"Uhh... Não... Acho que não... Por acaso não, mas olha que..."

"Isso não é um bom filme", atalha o amigo X, antes que a gente se ponha para ali a contar o filme todo do princípio ao fim. "Para mim, um bom filme tem que ter mamas. E se não tem mamas, não é um bom filme". Simples, claro, sem duas leituras possíveis.

Não conhecendo pessoalmente o Mestre X, não sei se a conversa terá seguimento, no caso de o filme não cumprir a Lei de X. Duvido. Mas é um poderosíssimo instrumento de medida, um critério universal e aplicável a todo e qualquer género de filme e/ou de espectador. E isso, em certos temas de conversa, pode fazer muita falta.

O bom velho Coutinho é que sabe

Esta apanhei-a numa das tais crónicas do ex-puto João Pereira Coutinho, e é uma das tais provas de que nem tudo na vida tem de ser complicado e/ou relativizado. Há coisas que são como são. Haja quem as diga ou escreva bem e, de preferência, de forma sucinta. Depois haja quem as oiça ou leia, ou seja, quem as divulgue (um puto dos de hoje usaria provavelmente o verbo partilhar, e não o divulgar, mas vai dar no mesmo).

Neste caso, a propósito do valor da conversa, do conversar pela noite e pela própria conversa fora, por oposição ao falar por falar ou só para dizer uma porcaria qualquer, o ex-puto cita um tal Dr Johnson (que humildemente confesso que não conhecia até me ser apresentado na Avenida Paulista pelo bom velho Coutinho; note-se também que, pelo contexto, presumo que o Dr Johnson tenha exposto a sua ideia por alturas do século XVIII, pelo que haverá que introduzir na frase o elemento inflação e ter em conta que a meia-noite de então corresponderia, no mínimo, às nossas 2 ou 3 da manhã):

"Whoever goes to bed before midnight is a rogue".


Sem ir ao dicionário em busca da tradução convencionada para 'rogue' (deixo esse exercício ao estimado blogoleitor) permito-me uma adaptação livre para o português de hoje:

"Um gajo que se deita antes das 2 da manhã é um bandalho".

Ou, tentando recuar ao português dos tempos que presumo terem sido os do Dr Johnson, qualquer coisa como:

"Aquele que recolhe ao leito antes da meia-noite não passa de um biltre".

Simples, conciso e (salvo casos pontuais de estrita imposssibilidade de proceder de outra forma, por qualquer razão de força maior) verdadeiro. Claro que há sempre as excepções que confirmam a regra. Conheço bem, e estimo muito, duas ou três pessoas que gostam de se deitar cedo e que para além disso também são excelentes pessoas, com as quais dá imenso gozo conversar sobre variados assuntos. Por acaso, ou talvez não, não me lembro de nenhuma delas alguma vez ter interrompido uma boa conversa, fosse a que horas fosse, a dizer que lamentava imenso mas estava na altura de ir para a cama.

Mais que uma opinião, o que o Dr Johnson exprime (e o velho Coutinho tão bem relembra e dá a conhecer aos ignorantes como eu) é uma Lei da Vida. Por oposição àquilo que o bom velho O'Neil (o Alexandre, o Grande) poderia ter rotulado como um decreto da vidinha, tudo em minúsculas e no diminutivo mais que perfeito.

31.5.07

Man!


Que o Manchester United é um grande clube, capaz de grandes feitos, ninguém duvidava. Pois se até ao Benfica já ganhou por mais que uma vez... Mas ontem conseguiu surpreender-nos a todos (ou quase) pela positiva.

Estou a imaginar a cena na alfândega, à chegada do par de compradores à velha Albion. "Anything to declare?", "Oh, yes, quite, as a matter of fact we do bring something from Portugal", "And what might that be, if you don't mind my asking?", "Anderson and Nani, I'm afraid", "Beg you pardon?", "Anderson and Nani", "Quite useful to fetch a nanny when you have another son, to be sure...".

Entretanto, por cá, toda a gente (ou quase) fica satisfeita, do Real Clube de Massamá ao tesoureiro do FCP, passando pelo congénere do SCP (neste caso, em perfeita sintonia com a maioria dos sócios e restantes adeptos), pela família e amigos do Nani e/ou do dinheiro do Nani, pela generalidade dos médios defensivos, trincos, centrais, laterais e outros que tais, que antevêem uma época ligeiramente mais tranquila...

Com um arranque destes, o mínimo que se pode esperar é que a corrida às contratações traga ainda mais alegrias ao povo. E ainda há por aí muito para levar: o Pepe, o Lucho, o Quaresma, o Veloso, o Moutinho, o Derlei, o Moretto... mercadoria é o que não falta, para todos os gostos e posições. Assim haja ingleses, americanos, russos, árabes ou chineses que comprem e levem.

Eu, por mim, declaro-me satisfeito.

28.5.07

De puto a velho em meia dúzia de páginas


Um puto. Um autêntico puto. Como chamar outra coisa a alguém que nasceu em 1976? Não vou dizer que podia ser meu filho, porque em 1975/76 a minha vida social ainda não tinha atingido esse patamar. Mas não seria biologicamente impossível.

Claro que podia chamar-lhe simplesmente João Pereira Coutinho, sem o puto (que, mesmo assim, não seria do pior que lhe têm chamado). Confesso que, apesar ou talvez por causa das diferenças (geracionais e ideológicas, por exemplo), nunca desgostei de o ler. Antes pelo contrário. Mas também não andava para aí doido a ler tudo e mais alguma coisa do puto, nem entrava em depressão se perdesse uma ou duas dezenas de colunas. Achava piada ao puto, pronto.

Mas confesso que não esperava lê-lo e sentir-me, subitamente, identificado com ele. Com o puto. Então não é que, lá pelo meio da Avenida Paulista (que a Sábado ofereceu, e que é uma colectânea de crónicas publicadas na Folha de São Paulo, ou seja, como prometido pela publicidade, inéditos para o leitor tuga como eu), o puto se revela um verdadeiro e profundo apreciador de P. G. Wodehouse, esse Mestre entre os mestres, que tantas vezes ajudou a iluminar os últimos estertores da minha adolescência e os primeiros e titubeantes passos na idade adulta (ou seja, até hoje)?



Agora, ainda a meio da Avenida Paulista, já me sinto a ler um livro do bom e velho Pereira Coutinho. Righty-ho e what not, João.

21.5.07

Há que dar os parabéns ao campeão

Já era expectável, mas houve que esperar mesmo pela última jornada para a confirmação. Agora não há outra hipótese que não seja aplicar os mais elementares princípios do fair-play:
Parabéns, Leixões.

18.5.07

Este já está



Isto da net em geral e dos blogues em particular e de uma pessoa aproveitar essas maravilhas dos nossos dias para dizer o que realmente quer, isso tudo tem que se lhe diga. Então não é que, pelos meus anos, alguém me ofereceu mesmo os Filhos de Húrin?

Quem, por esta altura, se achar demasiado fora de jogo, é favor descer um pouco por aí abaixo e ver, nem que seja de relance e na diagonal, um post anterior intitulado Ler ou não ler, comprar ou não comprar...

A história, não tendo mudado, não está nada mal cosida (1 ponto para Christopher). Deu-me até a ideia de estar um pouco aligeirada (não no sentido mais semântico mas no sentido mais literal, ou seja, contada em menos palavras e eventualmente num estilo um pouquinho mais upbeat e uptodate; o que, a ser verdade, retira o tal ponto já atribuído a Christopher, no meu entender, mas posssivelmente acrescenta-lhe mais 2 ou 3 pontos no entender de quem esteja a ler a história pela primeira vez e nunca a tenha visto mais au naturel).



O preço (versão em inglês, Harper Collins, capa dura, €24,75) também tem que se lhe diga. A mesmíssima coisa que eu tinha visto na Fnac (tradução, Europa-América, capa mole) custa agora 22 euros e picos. Pelos vistos, passei ao lado de uma pechincha, até porque aquilo era uma série numerada e tudo... Mas onde eu quero chegar é aqui: se a edição inglesa de capa dura chega cá a 2 euros mais que a local de capa mole, quanto mais será preciso roubarem-nos até que o povo se revolte e defenestre alguém ou deixe pura e simplesmente de reciclar embalagens, pagar impostos e fazer pisca-pisca (os tontos como eu, que fazem essas coisas)?

Quanto ao velho Túrin propriamente dito, foi com algum prazer que o reencontrei nas suas atribuladas e literalmente malditas vidas. Master of doom, by doom mastered. Não sei se, no vastíssimo universo Tolkieniano, não será o personagem com mais cognomes, heterónimos e nicknames. Para além do Turambar, que me estava bem agarrado aos neurónios, ele é o Adanedhel, ele é o Agarwaen, ele é o Bloodstained, ele é o Dread Helm, ele é o Gorthol, ele é o Neithan, ele é o Mormegil (o meu favorito pessoal), ele é o Wildman of the Woods, ele é o The Wronged, ele é o Bane of Glaurung, ele é o The Black Sword... (Não se aceitam reclamações de puristas a dizer que há aqui repetições do mesmo nome em línguas diferentes. Eu é que escrevo isto e faço como eu quero.) Claro que, em comparação, a desgraçada da irmã faz fraquíssima figura, com apenas o nome de nascença (Nienor) e um posteriormente adquirido (Níniel).

Eu, nem que seja a mim próprio, recomendo. Agora que se acabou vou continuar com something completely different que já andava a ler: o velho Rushdie, com o seu Shalimar the Clown. Do bom e do melhor.

13.5.07

A primeira Liga agradece


Leixões e Vitória de Guimarães, dois clubes com essa coisa rara que é terem adeptos próprios, que vão ver os jogos e tudo (mesmo quando aterram nos escalões secundários durante um ano ou durante dezoito), garantiram a subida à primeira. Matosinhos e Guimarães estão em festa a esta hora. E bem merecem.
A Liga, chame-se ela como se chamar para o ano, só tem a agradecer. Como cumpre sublinhar, o Olhanense contribuíu com a sua quota-parte para este belíssimo passo para a modalidade em Portugal, ao espetar 2 ao Rio Ave no José Arcanjo. A Vila da Restauração, com o tal dedinho de Álvaro Magalhães, fez o seu dever e cada golo rubro-negro foi festejado em Gondomar e em Moscavide (pelos adeptos do Vitória e do Leixões) como raras vezes se comemora seja o que for nos estádios da primeira Liga, por falta de quórum.
Três grandes clubes, dois dos quais de volta ao seu elemento natural cajuda do terceiro. É bonito, senhores, é bonito.

9.5.07

TROFENSE, 0 - OLHANENSE, 1



O "onze" comandado por Álvaro Magalhães garantiu a manutenção ao vencer no terreno de um adversário directo com quem ficará em vantagem em caso de empate pontual. Djalmir foi o autor do golo da vitória, a sete minutos do final, marcando o décimo primeiro da temporada na sua conta pessoal.

E assim se quebra um longo silêncio. E logo com boas notícias, quem diria. E começando mais que uma frase com o famigerado E. E tantas vezes que me disseram para evitar isto.

E por falar nisso: lembrei-me de um anúncio que anda ou andou recentemente aí pelos ares radiofónicos, que recorria justamente ao artifício da repetição da partícula E, para promover um e-service ou um e-mail ou um e-qualquer coisa. E a propósito desse, do qual só haveria a dizer bem, lembrei-me agora de um outro que grassa também nas ondas (nas da TSF, pelo menos) e que parte da equação do Einstein (essa, a do E=mc2), para chegar a uma nova fórmula: A=mt3, ou seja, A igual a m.t. ao cubo, o que depois, trocado por miúdos, dá A de Avis = milhas na Tap vezes 3. Vezes 3, note-se. Poderá não levar nenhum prémio em Cannes, mas uma equação em que o cubo passa a equivaler ao triplo não passará certamente despercebida ao pessoal do Nobel, ou das Olimpíadas da Matemática.

E prontos. Desinfelizmente, ou não, não me ocorre mais nada.

30.4.07

Ganhar em casa é sempre melhor


Foi o que fez o Olhanense. 3 a 1 ao Estoril. E já só falta um miserável pontinho para assegurar o objectivo (a manutenção). Simples, não é? Simples e algo contrastante com outras coisas que se vão vendo por aí, noutros palcos, e que nem dá vontade nenhuma de aprofundar.

18.4.07

O Desinfeliz errou



A estâncias 95 dos Tuguíadas havia um erro. Não quero com isto dizer que os Tuguíadas não sejam, na sua totalidade, um erro. Seria talvez presunçoso, na medida em que lhes estaria a atribuir um mínimo de relevância, que provavelmente não têm nem terão, e que, em boa verdade se diga, pouca falta lhes faz.

Os Tuguíadas, quais rosas, são os Tuguíadas são os Tuguíadas. Mas, tanto quanto possível, sem erros menores do género do que acabei de corrigir a estâncias 95 do Canto I (também conhecido nos mentideros por Canto Único).

Não vou fazer de conta que foi a Edite Estrela, ou o Pacheco Pereira, ou o Maradona, ou um descendente do Camões, ou o 24 Horas, ou mesmo o gabinete de comunicação do Primeiro-Ministro, que detectou o dito erro. Por muito que isso custe a estes e outros vultos e/ou entidades, fui eu próprio que me vi obrigado a dar com o gato e, logicamente, a emendá-lo.

Vem isto a despropósito de uma dúvida que me tem como que atormentado desde que me meti nisto dos Tuguíadas. Diz-se* que, algures no meio d'Os Lusíadas, há um verso errado, um verso que não rima ou que não bate certo na métrica, ou coisa que o valha. A dúvida que como que me atormenta é: a existir esse erro, os Tuguíadas deverão respeitá-lo ou corrigi-lo?

Perante a Obra e o Mestre, qual será o maior desrespeito? Copiar em tudo, até no erro, ou cair na tentação de o corrigir, que mais não é que uma ilusão de o superar nem que seja num mínimo detalhe? Não me é estranha a teoria do erro propositado, muitas vezes usada para 'explicar' os supostos 'erros' dos Mozarts ou outros génios. Nessa teoria, que tem o seu quê de Danbrownesco, o erro será a forma de o genial artista demonstrar a sua falibilidade, a sua mortalidade, a sua condição humana, imperfeita, não-divina.

Moral do post: se e quando descobrir o tal afamado erro d'Os Lusíadas, os Tuguíadas respeitá-lo-ão, ou não, consoante a ocasião.

* A fonte deste 'diz-se' há-de ser um prefácio de uma edição qualquer d'Os Lusíadas. Se alguém se interessasse ao ponto de querer saber ao certo, talvez eu me desse ao trabalho de procurar. Mas não garanto.

17.4.07

Ler ou não ler, comprar ou não comprar, eis as questões


Saíu hoje, se não me engano. Já o vi (na Fnac, a 20 euros e 7 cêntimos) e não o comprei por várias razões: os 7 cêntimos, claro; o facto de ser a versão portuguesa (Europa-América, ainda por cima); o facto de que já li esta história umas três vezes em outros tantos contributos do filho para a divulgação da obra do pai e vice-versa (Silmarillion, Unfinished Tales, The Book of Lost Tales - The History of Middle-earth, vol. II).

A história, em qualquer das versões, é forte e rica, para não lhe chamar densa. O personagem central, Túrin (o homem das mil alcunhas, das quais a única que me ficou foi Turambar) é um cromo dos mais difíceis que imaginar se possa. Comparadas com a vida deste sujeito, as noções de mau-fado e maldição são demasiado benignas. O destino do homem não é pesado nem pesadíssimo, é um pesadelo.

A questão é: conhecendo já três versões diferentes, valerá a pena comprar a quarta? Neste caso, a promessa de Christopher é de eliminar as contradições entre as várias versões quase em bruto que já foi publicando, acrescentando apenas as estritas e necessárias ligações para formar um todo coerente. O exemplo do Silmarillion leva-me a acreditar na promessa. As ilustrações do Alan Lee valem sempre a pena. Sendo eu um releitor quase compulsivo e provavelmente incorrigível, o mais natural seria dar por mim, um destes dias, a reler uma das tais versões em bruto. Ou seja: pelos vistos a questão está resolvida. É de comprar. Em inglês, naturalmente (só acrescento este pormenor porque, a comprar, não é obrigatório que seja eu a fazê-lo e, estando o meu aniversário já relativamente próximo, pode sempre haver quem esteja na dúvida entre o after-shave, a peúga e o Tolkien...).

16.4.07

Perder em casa é pior que empatar


Refiro-me, por enquanto, ao Olhanense. Ontem foi com o Leixões, ó *+#"%*!!! Derivado a estes e outros desideratos, infortúnios e afazeres (alguns dos quais de natureza turística, no plano interno, é certo, mas que mesmo assim afastam um desinfeliz dos seus teclados de estimação) este blog tem primado pelo recato. Pode ser que lhe passe brevemente, pode ser que não, não se pode garantir. Sá dê pã, como dizem os frogs.

2.4.07

Empatar em casa é melhor que perder




Estou a falar do Olhanense, claro, mas também de um modo mais geral. Noutro caso que pode vir à mente, não sei mesmo se o empate não se poderá vir a revelar melhor que a sacrossanta vitória. Essa conversa de que é muito bom uma equipa só depender dela própria não é uma verdade absoluta. Pelo que tenho visto do Benfica este ano, acho que é bem preferível ficar a depender também de outras equipas. Quanto ao Olhanense é que não me posso pronunciar muito, porque não tenho visto, mas ali onde está, na zona média-baixa da tabela, não me parece terrível.

22.3.07

Tuguíadas I, 103/106 (é o fim!) (do Canto Primeiro...)


Nessa equipa, entretanto reforçada,
Gente nova e famosa refulgia,
Entre outra que ficou mais olvidada:
Rui Costa, pelo Fafe, quem diria!
Penafiel, de fraca nomeada,
O bicho Jorge Costa defendia;
Do Porto não faltava a mocidade
De azul e branco, cores da cidade:

Toni, Tulipa e Cao — trio marado!
Nelson, que do Salgueiros então era,
Capucho (Gil Vicente) e o mais dotado
Luís Figo, bandeira da cantera
De Alvalade, que tanto nos tem dado.
Rui Bento, Gil, Abel de Xaviera,
Que o Benfica inda não representara,
Paulo Torres, fortíssimo dispara!


Tó, do Famalicão, e seus amigos,
Luís Miguel, do Rio Ave o mais esperto,
João Oliveira Pinto, dos antigos
Operários do Atlético, mais perto.
Por grandes ou por graves, os castigos
Que a vida após lhes tenha descoberto,
Naquele dia a mais louca esperança
Sorriu-lhes, carregada de bonança!

Saíu por cima, enfim, o lusitano
Perfume da jogada mais corrida!
Sobre este Canto cai agora o pano
(Boas novas, ó gente aborrecida!).
Faltam nove, se não muito me engano,
Para que a versalhada concluída
Seja, assim fora eu capaz do pleno:
Acabar este feito despequeno!

(...)

Nota: Ontem, por respeito ao Dia da Poesia, decidi guardar isto para hoje e assinalar também, com ligeiro atraso, o Dia do Pai. Usei as palavras do meu, que tantas vezes tanta falta me fazem.

21.3.07

Os mortos perguntam

Nos rumos perdidos dos ventos trocados,
Todos os rumos,
Nos fundos das piras dos mortos cremados,
Todos os fumos
de todas as piras...

Nas iras dos mares
Que beberam sangue
Todas as iras...

Na ânsia enlutada de todos os lares
Vazios de esperança
Todas as ânsias
De todos os lares...

Nos sexos sangrentos das virgens violadas
Os farrapos
a sangrar
De todos os sonhos que homens sonharam
E homens violaram...

Em todas as dores dos vivos da terra
todas as dores dos mortos da guerra...

E os rumos perdidos
e os corpos ardidos,
e as iras inúteis,
e as ânsias caladas,
E os sonhos, sujos como vidas de virgens violadas,
E todas as dores
de todos os mortos que a guerra matou,
e todos os lutos
de todos os vivos
que a guerra enlutou,
Perguntam,
perguntam,
perguntam
a todos os ventos
a todos os mares
às roupas de luto de todos os lares,
Se valeu a pena...

... Os mortos perguntam...
Mas os ventos trocam-se,
o mar não serena,
as viúvas continuam a chorar,
e os mortos não páram de perguntar
se valeu a pena...

... Mas a esperança é longa
é bela de agarrar no fundo dos martírios...

Os mortos perguntam,
Os mortos protestam...
... Irmãos, os braços são magros,
mas longos,
Longos da ânsia de querer...
... A pergunta é grande e a força é pequena,
mas só nós podemos, Irmãos, responder,
Se valeu a pena...

António Neto, 1948

20.3.07

Underson


Então não é que um homem lá acaba por se decidir a ir à Reboleira e vem este indivíduo desassossegar os músculos cardíacos de toda a gente? Valeu o outro personagem, quem diria. Luisão: volta depressa que há um Luizinho à tua espera na zaga e um lugar no banco à espera do Underson. Adepto sofre...

18.3.07

O tempora, o mores

Alguém me conseguirá explicar o que faz este fulano (para não lhe chamar indivíduo)


no lugar que já foi deste Homem


e deste senhor?


De tempos que eu me lembre como gente (ou seja, de Zé Gato, e já muito vagamente, em diante), só encontro um possível termo de comparação com o fulano: esse mesmo, o Bossio. Qualquer irmã ou tia-avó do Silvino, do Neno, do Enke, do Moreira, do Quim ou do Nereu (com as devidas desculpas a algum que me esteja a faltar de momento), dava mais sossego ao adepto que este criaturo (para não lhe chamar energúmeno). A única hipótese que me ocorre tem a ver com isto passar-se numa liga patrocinada por uma casa de apostas (hipótese que se aplica por maioria de razão às competições europeias, entregues à máfia propriamente dita, sob a designação de UEFA).

E o que é que leva um homem a considerar a hipótese de ir à Reboleira com aquilo (para não lhe chamar isto) entre os postes? Nós, os adeptos, somos loucos.

15.3.07

Tuguíadas I, 101/102


Um alfinete a mais já não cabendo,
São milhares co’a vida por diante,
Dando luz às bancadas, e sofrendo,
Nas entranhas, até, em cada instante,
O empate ou resultado mais horrendo.
Foi d’ouro, a geração, ou diamante
(Que corta, como vidro, a outra gente
Costumada aos triunfos, longamente)?

A glória se viveu por mais um dia:
No rubro estádio a festa começava,
Pelas ruas e praças se estendia,
P’lo continente e Ilhas se espraiava.
Do Mundo todo a taça reerguia.
A turma que Queirós bem comandava,
Duas vezes seguidas vencedora,
E a segunda na Luz, que nos adora.

(...)

12.3.07

Oh Lord won't you buy me a Mercedes-Benz?


Hoje este senhor faz anos. Parabéns (especialmente aos lucky few que tenham um, caso em que, no entanto, os sentimentos da inveja se podem sobrepor aos parabéns). Caso Deus exista e esteja sem saber o que me dar nos anos, aqui fica a sugestão. Caso Deus, a existir, não se lembre já do que criou em 1952, aqui fica a referência: Mercedes 300 SL.

9.3.07

Tuguíadas I, 99/100


A semente, regada, bem germina,
E repete o que o povo agora pede.
A mesma geração, ‘inda menina,
Na Luz a lotação agora excede:
São cento e trinta mil, ao que imagina,
Quem contar já não pode, já não mede.
Na final o Brasil a taça clama
Perante a lusa mão qu’ela reclama.


Termina sem vitória nem derrota
A contenda, aos noventa, prolongada
Por mais trinta, mas sem digna de nota
Bola nas redes bem encafuada.
Pr’ós penáltis prepara a sua bota
Quem tal carga lhe vê ser confiada.
E enquanto que o Brasil só dois metia
C’o dobro Portugal os mataria.


(...)

Pérolas Vermelhas (X)



"Dzhh! Dzhh! Dzhh..." Terão sido estas as últimas palavras de Estaline, na sequência de um badagaio de índole cardíaca que o deixou prostrado durante horas sem que ninguém se atrevesse sequer a ir ver o que é que se passava.

Quando, passadas essas horas, alguém sentiu o medo de não ir ver sobrepor-se ao medo de ir ver, o que viu foi o Ti Zé no chão, em pijama bastante urinado, contorcendo-se a custo e dizendo, apenas, "Dzzhh! Dzhh...". Seguiram-se mais uma carrada de horas, durante as quais o círculo mais próximo do Grande e Estrebuchante Líder procurava decidir o que fazer, para além de pegar no Ti Zé e deitá-lo no sofá da sala onde se encontrava.

Aquilo que noutras circunstâncias e com outras pessoas seria uma acção automática — chamar um médico — foi um dilema muito difícil de ultrapassar. Naquela altura, estava em curso uma purga sistemática da classe médica. Os médicos reconhecidamente mais competentes estavam acusados, presos, degredados e por aí fora. E todos eles, pelo facto de serem médicos, estavam sob suspeita. Havia um certo receio entre os potentados de que o Ti Zé, a reagir, reagisse mal ao simples facto de ver um médico por perto.

Entre todas as versões possíveis e imaginárias, do envenenamento à passividade propositada, a que surge como mais plausível da leitura do Montefiore* é talvez a mais simples e a mais terrível: medo. Medo de Estaline, ainda que visivelmente nas últimas, medo uns dos outros, medo puro, desmedido e entranhado.

The End - Koniec - Dzhh

* Relembro que todas estas pérolas são retiradas de Estaline, A Corte do Czar Vermelho, de Simon Sebag Montefiore.

6.3.07

Hoje somos todos portugueses


E o nosso coração só tem uma cor: azul e branco.

Ausência

O Desinfeliz tem estado calado. Há uma razão para um longo, pesado, sentido e singelo minuto desse silêncio.

28.2.07

Pérolas Vermelhas (IX)


Para hoje, seleccionei três pratos. Uma entrada ligeira, uma fortíssima pièce de résistance e uma saída comparativamente doce e airosa.

Para começar, temos Avô de Putin au naturel. Pois é. O avô do actual presidente russo, Vladimir Vladimirovitch Putin, foi chefe de cozinha numa das casas de Estaline. Segundo o neto, o Chef Putin nunca lhe revelou fosse o que fosse sobre esses episódios: "O meu avô mantinha um grande segredo a respeito da sua vida passada". O que é pena porque, antes de confeccionar as pantagruélicas jantaradas do Ti Zé, o Vovô Putin já tinha cozinhado para Lenine. E antes, ainda rapaz, tinha servido o próprio do Rasputine. Há que compreender que o segredo pode muito bem ter sido a alma da longevidade do homem, mas umas memórias deste Mestre dariam certamente umas centenas de páginas suculentas.

Agora, com os devidos avisos aos estômagos mais sensíveis, passamos ao prato principal, à base de carnes batidas e miolos fritos. A dada altura, o pequeno Iezhov supervisava os torturadores, que tinham um jargão próprio para o seu métier, do qual se pode destacar a "luta livre francesa" (frantsuskaya borba, no original), substantivo genérico para a modalidade ou processo de destruição de um ser humano inocente. Quando alguns destes rapazes foram por sua vez interrogados, uns anitos mais tarde, explicaram em detalhe como usavam o zhguti, o taco especial, e o dubenka, ou seja, o bom, velho e simples cacete, bem como as tradicionalíssimas privações do sono e os interrogatórios constantes, a que davam o nick de tapete rolante. A respeito destas sessões, Kaganovitch achava "muito difícil não ser cruel: é preciso ter em consideração que se tratava de Velhos Bolcheviques empedernidos; como poderiam testemunhar voluntariamente?". O sempiterno Molotov sublinha que "o Politburo estava cheio de gangsters". Salvo grandessíssimo erro da minha parte, o Molotov era um dos ingredientes do Politburo...


Para sobremesa, nada como uma apetitosa e calórica dacha. Estas casinhas, que nem sempre eram tão humildes ou rústicas como eu supunha, eram um item muito pretendido entre os potentados do regime (não sei porquê, a palavra dacha sempre me evocou na mente umas cabanitas simplórias e proletárias, mas havia de tudo, desde o antigo palacete recuperado à novíssima vivenda assinada por arquitecto certificado). Vichinski, por exemplo, sempre cobiçara a dacha de Leonid Serebriakov. No âmbito do julgamento de um outro fulano (Radek), Vichinski interrogou e acusou Serebriakov (vá-se lá saber de quê). Tendo o julgamento produzido os efeitos pretendidos, Vichinski exigiu a citada dacha para seu uso, conseguindo inclusivamente ser reembolsado pela sua antiga casa e receber um subsídio de 600.000 rublos para restaurar a 'nova'. Depois da morte do Ti Zé, a família Serebriakov conseguiu reaver metade das propriedades que lhes tinham sido confiscadas, mas os Vichinski conservaram a outra metade. Assim, em 2002, 60 anos depois de o pai ter sido fuzilado por ordem do vizinho, os Serebriakov passavam os seus fins-de-semana paredes-meias com os Vichinski.

De então para cá, não tenho mais notícias que sirvam de café ou de digestivo. À laia de ilustrações, o menú do dia é abrilhantado, não necessariamente por esta ordem, por Vichinski e Putin (o neto, que o avô não se encontra no google com facilidade).

27.2.07

Pérolas Vermelhas (VIII)

Tal como já se havia aqui mencionado muito en passant, o revisionismo histórico-fotográfico era uma das grandes especialidades da casa do Ti Zé. E sem photoshops a ajudar, tudo à unha.


Claro que os artistas mais consagrados estariam ao serviço do Pravda e de outras instituições, mas mesmo ao nível privado havia quem exercitasse os seus dotes de apagador de indesejáveis. Em casa de Anastas Mikoian, homem do núcleo duro que se aguentou até aos tempos de Khrushchev, habitava um jovem de nome Sergei Shaumian que ia sempre actualizando cuidadosamente os álbuns de fotografias da família, apagando todos os Inimigos à medida que iam sendo presos e executados.

Claro que o critério para definir os Inimigos era bastante abrangente. As pessoas eram presas, torturadas, deportadas ou, de preferência, mortas, não pelo que tinham feito, mas essencialmente pelo que poderiam fazer. Molotov explica: "O principal era que, no momento decisivo, não se podia confiar neles. Assinei a maior parte — na realidade todas — das listas de detenções. Debatíamos e tomávamos uma decisão. Havia sempre uma enorme pressa. Como seria possível entrar em todos os pormenores? Por vezes, eram pessoas inocentes. Obviamente, uma ou duas em cada dez foram detidas sem motivo, mas as restantes por boas razões" (num só dia, chegaram a ser aprovadas 3167 execuções). Estaline também não deixa grande lugar a dúvidas: "Um Inimigo do Povo não é só aquele que faz sabotagem, mas também aquele que duvida da justeza da linha do partido. E são muitos, e temos de liquidá-los". E Bukharine eleva o nível do discurso: "Há qualquer coisa de grande e ousado na ideia política de uma purga geral, (porque) fará nascer uma desconfiança perpétua (...). Deste modo, a liderança está a obter uma garantia plena para si mesma".


No seu livro A Casa do Cais, um tal de Trifonov relata como todas as manhãs o porteiro uniformizado da dita casa (um monstrengo à beira-rio, não muito longe do Kremlin, habitado por boa parte da nomenklatura, comissários do povo, Khrushchev incluído, e parentela de Estaline) comunicava aos moradores quem fora preso durante a noite. Para além do photoshop, ainda faltava o e-mail para tudo se fazer com mais comodidade.

Os bigodes do dia são de Mikoian e Molotov.

20.2.07

Pérolas Vermelhas (VII)



Ti Zé no seu melhor, em conversa com Chou En-lai, defendendo a tese de que os norte-coreanos poderiam continuar a lutar indefinidamente, de preferência sem apoio soviético e a expensas diplomáticas da China: "Eles não têm nada a perder, excepto homens". Poder de síntese absoluto .

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