"Pode ser que sim. Pode ser que não. Não posso garantir." - in Astérix, A Volta à Gália

23.5.06

Foi você que pediu um Montenegro independente?


Se se vier a confirmar, a (re)independência do Montenegro é mais uma daquelas notícias que agradam certamente aos editores de enciclopédias, aos fabricantes de bandeiras (a maioria dos quais serão provavelmente chineses e indianos) e a poucos mais. A miudagem das escolas, por exemplo, há-de suar as estopinhas para empinar os nomes dos países da Europa e/ou da União Europeia, enquanto não forem totalmente sinónimos. Claro que isso também se resolve, com grande facilidade, não lhes exigindo que saibam sequer o que é um sinónimo. Quanto mais um país ou um conjunto deles.

Confesso que, no que toca ao Montenegro, só conheço o Nero Wolfe, um homem que cultiva orquídeas, adora cerveja e só tem três tipos de pavor na vida: sair de casa, trabalhar e as mulheres. Mesmo não passando de uma criatura fictícia, o grande Nero Wolfe é o suficiente para se simpatizar com o Montenegro. Mas, daí a recomendar a independência a quem quer que seja, vão quase 900 anos de história...

19.5.06

Tuguíadas I, 85/86


Simões ao quarto d’hora já não erra,
Faz miséria ao goleiro do adversário,
O Manga, natural daquela terra
Da Vera Cruz chamada, onde Romário
Viria a ser o craque mais na berra;
Eusébio aos vinte e sete num armário
Daqueles com gaveta introduzia
O golaço que zero-dois fazia;

Aos setenta vem Rildo lá da praia
Marcar para evitar a cabazada,
Mas Eusébio não deixa que se saia
O escrete canarinho sem mais nada:
Vão três p’rá sobremesa, sericaia,
A cereja no bolo colocada;
Noventa! Portugal entra em festaça,
No Brasil, por seu lado, uma desgraça!

(...)

Tuguíadas I, 83/84


Coluna, o capitão — moçambicano
De nascença —, não há quem não comande:
De Vicente, Morais, Simões, Germano,
A Zé Augusto, Hilário, Torres grande,
Do Pantera, seu negro conterrano,
Ao Pereira, que faz que não desande
Da branca linha a bola mais avante,
Para que a outra cor não se adiante;

Nomear Jaime Graça ‘inda faltava,
Nem Baptista devia ser esquecido,
E outro mais que no banco se sentava,
Américo, Carvalho, Cruz sabido,
Lourenço, Ernesto e Peres, que lutava
Pelo leão, seu clube preferido
Manel Duarte e Festa, mais somente
José Carlos, Custódio: toda a gente!

(...)

18.5.06

Abandoned too soon


Foi a 18 de Maio de 1980.

Piromania


Ploc... Ploc... Ploc... Ploc...

Aquele maldito pingo não parava. De cada vez que chovia, enchia um tacho grandinho em meia dúzia de horas. Conseguia ser pior que as melgas no verão, o estupor do pingo.

Ploc... Ploc... Ploc... Ploc... Ploc...

— Puta que pariu aquele cabrão!

Levantou-se, acendeu um cigarro e pegou no telefone. Tocou, tocou, tocou. Finalmente o camelo do senhorio lá acabou por grunhir qualquer coisa do outro lado, o que nem sequer é hábito dos camelos.

— Se eu sei que horas são? Claro que sei. Quer que lhe diga? São quatro e meia da manhã e... Teja caladinho e cale-se. São quatro e meia da manhã e eu não consigo dormir. Sabe porquê? Porque você nunca mais arranja a merda do telhado, percebeu? Portanto já sabe. Ou arranja a merda do telhado ou muda de número de telefone porque a partir de agora se eu não durmo você também não dorme!

Desligou o telefone, apagou o cigarro, pensou melhor, acendeu outro, deu duas ou três passas, atirou-o para o meio do molho de jornais que tinha ao pé da janela, meteu numa mochila as poucas coisas de que precisava e saiu, sem saber muito bem para onde ia mas com a certeza de que já devia ter pegado fogo àquela merda há muito mais tempo.

Na primeira cabine que encontrou, tentou ligar de novo para o senhorio, para lhe dizer que afinal já não valia a pena preocupar-se mais com a porcaria do telhado. Só que as moedas não entravam, ou entravam mas caiam logo, ou não caiam mas o outro camelo não conseguia ouvir nada do que ele dizia. Porcaria de cabines.

Tirou um frasco de benzina da mochila, despejou-o em cima do telefone, afastou-se um pouco, acendeu um cigarro, deu duas ou três passas, atirou-o para cima do telefone e seguiu, rumo a uma pensão de que tinha ouvido falar e que tinha a fama de ser frequentada por muitas prostitutas e poucos piolhos.

— Essa vida é fogo, né, bicho?
— Podes crer, chavala, podes crer. Queres um cigarro?

17.5.06

Divagação desinútil sobre o poder, em 4 breves episódios

I

Eu, Plio Nasmo I, príncipe da Pérsia, pretor do Paquistão, protector da Polónia, do Paraguai e do Panamá, proclamo perante todos os povos e poderes planetários a minha firme intenção de mandar pintar de preto o ex-Palácio Presidencial, actual Palácio Principal.

Publique-se.
(Assinatura ilegível)

II

À Administração,

Face à deterioração do estado do paciente Policarpo Pereira Poças (refª N-602/91), bem patente na carta que junto envio e que foi encontrada na posse do mesmo por um dos meus enfermeiros, sugiro e requeiro a V. Exª a transferência deste paciente para a ala P-2, onde os meios materiais e humanos disponíveis permitirão certamente a prestação de um melhor serviço ao paciente, já sem mencionar a sobrecarga a que o pessoal desta ala se encontra sujeito e que, por via de tal transferência, seria significativamente atenuada.
Atentamente,
(Assinatura ilegível)
Director clínico da ala P-1

III

Ao Director Clínico,

1. Face aos antecedentes clínicos do paciente Policarpo P. Poças (refª N-602/91), e sobretudo face à ausência de qualquer relatório indicativo de propensão para comportamentos violentos, não nos parece justificada nem fundamentada a necessidade de transferência para a ala P-2.

2. Permitimo-nos recordar-lhe a Ordem de Serviço HPP-345/b, que estabelece claramente a gestão dos espaços, equipamentos e técnicos disponíveis como competência exclusiva deste Conselho.

3. O pedido de transferência do paciente Policarpo P. Poças é indeferido.

(Assinatura ilegível)
Vogal do Conselho de Administração

IV

(...) Dadas também como provadas a incapacidade e a consequente inimputabilidade do arguido, este Tribunal absolve o senhor Policarpo Pereira Poças da acusação de crime de homicídio premeditado na pessoa do Presidente do Conselho de Administração do Hospital Psiquiátrico da Porcalhota, doutor Plácido Pitschieller Pestana. O arguido deverá ser novamente internado em instituição psiquiátrica adequada. Em vista do sucedido, e tendo em conta toda a informação reunida no processo e os testemunhos de todos os especialistas ouvidos, o Tribunal recomenda ao Conselho de Administração da instituição psiquiátrica que venha a receber a custódia do senhor Policarpo Pereira Poças que lhe dispense alguns cuidados particulares, nomeadamente o acesso a tintas e a possibilidade de as utilizar. O caso está encerrado. Arquive-se.

(Assinatura ilegível)
O Juiz-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça

16.5.06

Tuguíadas I, 80/82


Melhor não se teria começado,
Entrando a ganhar logo desde cedo,
Ao contrário do grego defrontado
Na final daquele insólito arremedo
Do feio futebol de resultado,
Que do infame Scolari leva o dedo,
Na prova que, por nós organizada,
Terminou com helénica risada.

De entrada começaram a preceito
Os que de Luz Afonso simplesmente
Seleccionados foram por seu jeito
E a quem o Glória deu, tão sabiamente,
Do treinamento o mais alto conceito;
E assim foi que, por três a um somente,
Lá se foram os húngaros, vencidos
Pelos Magriços lusos destemidos.

Passados mais três dias se jogou,
Agora co’a Bulgária, país velho
E que bastantes vezes se equipou
Co’s nossos tons de verde e de vermelho:
Mais três também o búlgaro levou,
Sem conseguir marcar nem um chavelho.
Mas, logo de seguida, aquele impasse,
Pois ao Brasil nos coube que enfrentasse.

(...)

12.5.06

Tuguíadas I, 77/79


Ao turco, e mais ao checo, e ao romano
(Aqui um ‘a’ por ‘e’ se intrometeu:
Era romeno e não italiano,
Mas por via da rima jeito deu!)
A nossa rubra gente lhes fez dano
Um jogo empatou só, mais um perdeu,
E foi para a Bretanha, p’ró temido
Reduto desse bife humedecido.

Chegou treze de Julho, às tantas horas,
Tantas quantas se tinham acordadas,
D’Old Trafford as bancadas colhedoras
Pouco menos estão do que apinhadas;
Enfrentam-se as equipas jogadoras
Para o jogo primeiro sorteadas:
Os bravos magiares, que encantavam
Aqueles que de bola mais gostavam,

E Portugal, então desconhecido,
O pequeno David entre portentos,
Mas que leva consigo o mais temido
Eusébio, que em seis jogos nove tentos
Logrou marcar, sem mais ter conseguido
Por ter sido roubado p’los nojentos
Sistemas, que se nunca se acabarem
Tudo hão-de fazer p’ra nos roubarem.

(...)

Era uma vez na Pulgária


As pulgas pululavam por todo o palácio. O rei e a rainha pisgaram-se para um dos outros palácios. O príncipe e as princesas protestavam. O primeiro-ministro protestava. O pessoal menor protestava. Os próprios pedintes, que acorriam habitualmente a pedir à porta das traseiras, protestavam.

Indiferentes a todos os protestos, as pulgas continuavam a pulular pelo palácio. Até que, em face de tanta pulga e de tanto protesto, se convocou um referendo para resolver a crise.

Por vontade expressa da esmagadora maioria da população, uma equipa de técnicos altamente especializados deslocou-se ao palácio e exterminou os príncipes, o primeiro-ministro e todo o pessoal dos respectivos gabinetes.

10.5.06

"The time for the healing of the wounds has come."

Foi com estas palavras que o primeiro presidente negro da África do Sul tomou posse do cargo, faz hoje 12 anos. Grande é este senhor, Nelson Rolihlahla Mandela.

E tudo indica que 10 de Maio é dia de grandes senhores tomarem posse. Em 1940, foi o caso de Winston Leonard Spencer Churchill (que, ao contrário do que o primeiro nome poderia sugerir, era conde de Marlborough).

Emigrante, emigrante


Chama-se qualquer coisa como 'A História da Emigração Portuguesa', se não me engano, mas é muito mais interessante do que o título deixaria supor. Dá na RTP1 às terças, nem demasiado cedo nem excessivamente tarde, e é um excelente exemplo de uma das coisas (formatos, como se deve dizer agora) que a televisão faz melhor — o documentário.

Tendo visto o capítulo de ontem, e apesar de o dito documentário valer muito mais que a observação que se segue, não posso deixar de anotar a seguinte banalidade: o nosso emigrante é aquele que vai sem saber falar francês e volta sem saber falar português.

Ser e não ser

To be or not to be pode ser traduzido para português, sem qualquer dificuldade, por ser ou não ser. Mas se o velho Shakespeare fosse português nunca lá teria chegado. É uma frase que nunca surgiria de uma mente portuguesa. Se o velho Shakespeare fosse português, e mantendo-se tudo o resto, onde ele teria chegado era a ser e não ser. Desinfelizmente, não conheço mundo que chegue para poder dizer que só os portugueses é que, ou que ninguém como os portugueses para. Mas salta à vista, ao ouvido e ao bom senso que não deve haver muito quem nos ultrapasse na arte da conciliação dos opostos, no equilíbrio do cravo e da ferradura, do sim mas e do paralelo e quase sinónimo não mas, da impossibilidade do que parece fácil e da quase probabilidade do que parece impossível.

9.5.06

Tuguíadas I, 75/76


Do treinador havia quem dissesse
Que era temido mais que um bacamarte,
Era sempre a atacar, por que metesse
Muitos golos a mais que à outra parte,
Otto Glória — outro nome, se tivesse,
Seria conhecido, mas sem arte;
Foi pentacampeão do lusitano
Torneio do desporto mais mundano.

Com seis taças também galardoado,
O grande carioca justamente
Foi, por ter com sucesso orientado
Os três famosos clubes, o tridente:
O verde e branco, o azul e o encarnado,
Pendões da capital da lusa gente,
Que vive cá na praia onde se deita
O sol, que a velha Europa mal espreita.

(...)

4.5.06

Tuguíadas I, 73/74


Aproxima-se agora o tal germano
Evento mundial bem conhecido
Daquele jogo, rei do ser humano,
Pelo menos do másculo nascido.
Veremos o que faz o lusitano
Conjunto do Scolari possuído,
Um dia se dizia que abalava
No outro garantia que ficava.

Agora de carmim todo equipado
Sem verdes calçanitas pavorosas,
Lá vai de equipamento melhorado
Fazer-se às vitórias gloriosas,
Que sempre lhe conseguem ter escapado
Por mui diversas formas desditosas:
Desde sessenta e seis não há quem esqueça,
Não há quem o recorde e não estremeça.

(...)