"Pode ser que sim. Pode ser que não. Não posso garantir." - in Astérix, A Volta à Gália

31.12.08


Passado o Merry Christmas, contraída, chocada e praticamente utltrapassada uma porcaria de uma gripe, eis então chegado o momento do prometido Pippin New Year.

2009 não vai ser fácil, está mais que visto. Mas já terá havido algum ano fácil, nesses 2009 e nos outros todos antes? No que me toca, vai ser o ano em que vou acabar de ler a Viagem do Elefante, desse outro josé, o saramago, que agora lhe deu para escrever os nomes assim, em minúsculas, vá-se lá saber por e para quê. À parte disso, estou a gostar bastante da Viagem. Algo abaixo do Memorial, do Ano da Morte, do Evangelho, do Ensaio sobre a Cegueira (e quantos escritores terão sequer quatro romances desse gabarito, pergunto eu), mas claramente acima do Homem Duplicado, do Ensaio sobre a Lucidez, das Intermitências da Morte e da Jangada de Pedra.

Outro que vou acabar de ler em 2009, se me conseguir conter nas últimas horas do dia, é este:

Não há adjectivos abaixo de colossal que se apliquem. É quase inevitável que numa próxima visita a este estabelecimento o/a estimado/a cliente venha a encontrar excertos da obra.

Quanto à Guerra de Gaza, não me ocorre nada que não seja desejar a todos os Palestinianos (todos os que habitam a Palestina, em sentido verdadeiramente lato, englobando os israelitas) que sobrevivam também a 2009 e que de alguma forma comecem a viver. Quanto às propostas de tréguas à francesa, em que Israel fica totalmente concentrado na tarefa de levar com os rockets do Hamas, é melhor mesmo nem dizer nada.

Shalom everybody.
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24.12.08


O Pippin New Year fica para depois. Merry Christmas everybody.

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23.12.08

2008, annus terribilis?

Dizem que 2009 vai ser do piorio, mas o ano ainda em curso também não há-de ter sido grande coisa. Só isso pode explicar uma nomeação destas. No ano em que Marx voltou às conversas de toda a gente, apetece dizer que não se volta a frequentar um blog que nos aceita como somos. Mas acho que não sou capaz.

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José, o Padrinho


Uma colega, que por sinal é também minha xará, adoptou recentemente um ursinho de peluche. Quando lhe perguntei como se chamava o pequeno, disse-me que ainda andava de volta desse assunto. Percebeu certamente a minha desaprovação perante tamanha incúria, pois não tardou a convidar-me para padrinho.

Sugeri que fosse Aloísio, naturalmente. A minha homónima gostou muito do nome e o próprio urso não se opôs. Pareceu-me até aliviado, talvez por já se terem sugerido nomes totalmente impróprios para um peluche respeitável.

Creio que José, a Colega, não costuma vir aqui ao Desinfeliz, mas por via das dúvidas não vou dizer o que penso oferecer ao meu afilhado no Natal. O Aloísio era bem capaz de lhe arrancar o segredo e a última coisa que se pretende é dar a um peluche a ideia de que as coisas são como ele quer.

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EXPLICAÇÕES precisam-se

Alguém que me explique matérias como a abstenção do PSD no estatuto dos Açores. E a abstenção do Benfica, já agora. Por favor.

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22.12.08

Ao meu pai, se estiver online

The Delights of Mathematics
Robert Fuller Murray (1863 – 1894)

It seems a hundred years or more
Since I, with note-book, ink and pen,
In cap and gown, first trod the floor
Which I have often trod since then;
Yet well do I remember when
With fifty other fond fanatics,
I sought delights beyond my ken,
The deep delights of Mathematics.

I knew that two and two made four,
I felt that five times two were ten,
But, as for all profounder lore,
The robin redbreast or the wren,
The sparrow, whether cock or hen,
Knew quite as much about Quadratics,
Was less confused by x and n,
The deep delights of Mathematics.

The Asses' Bridge I passed not o'er,
I floundered in the noisome fen
Which lies behind it and before;
I wandered in the gloomy glen
Where Surds and Factors have their den.
But when I saw the pit of Statics,
I said Good-bye, Farewell, Amen!
The deep delights of Mathematics.

O Bejants! blessed, beardless men,
Who strive with Euclid in your attics,
For worlds I would not taste again
The deep delights of Mathematics.


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17.12.08

Figuras e figurões


Confirma-se o que confirmado já estava há muito tempo: Santana Lopes é o candidato do PPD/PSD à Câmara de Lisboa. Não adianta chover muito mais no molhado do espanto, da suposta credibilização do partido que a eleição de Manuela Ferreira Leite supostamente faria supor, do curriculum do candidato, nomeadamente no exercício do cargo a que se volta a candidatar. Não adianta. O facto da candidatura está consumado.

Para que não se consume o facto da eleição (e nos consuma, a nós, lisboetas, a Lisboa, ao país de que Lisboa é capital, ao próprio Mundo a que Lisboa nunca pode deixar de ambicionar pertencer) o que adianta é pensar no que fazer para que Santana não se alape novamente ao tacho e à montra. António Costa aproveitou e bem o tempo que o PPD/PSD lhe deu com o vai-não-vai, é-o-nosso-candidato-não-é-ainda-o-nosso-candidato, pode-ser-que-sim-pode-ser-que-não. A imagem da cigarra e da formiga resume e ilustra bem a situação, dramatiza o que há para dramatizar em época de vacas escanzeladas, chama os bois pelos nomes, é simples e ainda tem a grande vantagem acrescida de ser verídica. Em termos de eficácia de comunicação, que é justamente o terreno em que Santana Lopes se arrisca sempre a triunfar, António Costa dificilmente conseguiria melhor.

Não sei se o PS estará preparado para seguir o exemplo a nível nacional. Claro que ainda nem sequer há a certeza de que seja Ferreira Leite a encabeçar o PPD/PSD nas legislativas (já dando de barato que o PPD/PSD chega às legislativas), mas essa é certamente a hipótese de trabalho que estará em cima das mesas do Largo do Rato (se é que as mesas não estão todas em S. Bento). A imagem da Avózinha e do Lobo Mau parece-me bastante apropriada para esse duelo. A Avózinha dispensa explicações e Sócrates, para além da aptidão natural para o papel do Lobo Mau, conta com uma conjuntura em que o povo (que talvez se possa equiparar ao Capuchinho Vermelho) prefere dentes afiados a dentaduras postiças.

A esquerda, ou melhor, as esquerdas, por muito que lhes dê para crescer, serão sempre os Sete Anões. Por vontade própria e, ou muito me engano, por vontade dos portugueses, que também não hão-de as fazer crescer assim tanto. A comparação com os hobbits Merry e Pippin seria talvez mais adequada, especialmente se nos lembrarmos do episódio em que bebem aquela excelente água dos Ents e crescem um bocadinho, sem no entanto deixarem de ser hobbits, mas os Sete Anões percebe-se muito mais facilmente e tem a vantagem de sugerir imediatamente a Branca de Neve para o papel de Paulo Portas. Quanto a Manuel Alegre, ainda está a tempo de escolher o seu personagem. Tudo indica que se vê como o Flautista de Hamelin, mas não é de excluir a hipótese de continuar Godot. Ou Super-Pateta. Who cares.

Só espero que o fabulário não entre no registo tão português do compromisso, que seria Sócrates a querer fazer-se passar por Lobo Bom. Aí, poderíamos ter um João Ratão a cair no caldeirão e, escusado será dizer, num cenário desses quem se lixa ainda mais é o Capuchinho. Ou seja, nós, os pequenotes.

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10.12.08

Publicidade desenganosa


Primeiro foi o Banco Best, com a conta McCain/Obama. Agora é o Finibanco, com o Depósito a Prazo Vencedores da Liga Sagres 2008. Taxa de juro até 11% para quem acerte nos quatro primeiros classificados (creio que por ordem, senão a coisa perde a emoção). A publicidade avança com uma paráfrase de João Pinto (o Primeiro): Prognósticos, só no Finibanco.

Não sei se as casas de apostas estabelecidas já apresentaram algum protesto por esta concorrência desleal, não sei se o Constâncio, no meio dos seus novos afazeres com o Banco Privado e com as comissões de inquérito, terá tempo para dar alguma atenção a estas trivialidades, não sei sequer se mais alguém está para se ralar com mais esta naifada na imagem e no conteúdo da desejável credibilidade da banca, mas a mim estas coisas preocupam-me. Sou assim.

E mais: o Finibanco aceitará apostas (perdão, depósitos) de pessoas cuja actuação pode ter efeitos directos na classificação da Liga Sagres 2008? Por exemplo: se o Bruno Paixão, o Pedro Proença, o Lucílio Baptista e o Olegário Benquerença chegarem a um balcão do Finibanco e disserem que querem abrir uma conta conjunta, o bancário de serviço limita-se a abrir a dita conta ou liga discretamente para a Maria José Morgado e para o 24 Horas? Se o Hermínio Loureiro constituir o seu depósito, será possível eu saber em quem é que ele apostou? Não é para copiar, é só para saber. E se o Leixões for campeão e o Febolquelupârto ficar em quinto ou pior, haverá uma taxa extra de 42%?

Aqui há uns tempos, o Finibanco assinava a sua comunicação publicitária não com uma frase, como alguns bancos menos ambiciosos, mas com duas: Em privado, porque você é único. Não sei se a assinatura se mantém, mas tudo me leva a crer que os apostadores (perdão, os depositantes) podem contar com uma boa dose de sigilo nos seus prognósticos. O que é pena, porque seria uma excelente oportunidade para saber, ao certo, se os adeptos do Zbordn apostam maioritariamente as suas poupanças no Zbordn ou no Febolquelupârto.

Outro caso de publicidade desenganosa (no sentido de ainda mais transparente do que se poderia exigir) é o dos cartazes do Bloco de Esquerda que dizem assim: O Governo ajuda os banqueiros. E quem ajuda as pessoas?. Calculo o que seria o chinfrim se uma coligação PNR/Manuela Ferreira Leite pespegasse no Marquês de Pombal o seguinte: O Governo dá emprego aos ucranianos e aos cabo-verdianos. E quem dá emprego às pessoas?

O meu prognóstico é que o Bloco de Esquerda, como sempre, ficará isento de responsabilidades pelos seus actos e, mesmo sem chegar aos 11%, terá um excelente resultado quando o povo depositar os votos. Pelo seu lado, o Finibanco pode bem ser um dos próximos temas do Expresso da Meia Noite ou do Prós e Contras, mas por via da massa que o Estado lá venha a meter, e não pelos níveis de criatividade nos terrenos do marketing e da publicidade.
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5.12.08

A questão da avaliação


O modelo de avaliação dos professores e a sua aplicação, ou não, é um assunto importante. Longe de mim desvalorizá-lo. Mas levei muito tempo a perceber a verdadeira dimensão do problema. Agora, felizmente, já tenho opinião sobre o assunto. Com a minha opinião formada, já posso encarar com outra confiança o ano eleitoral que se avizinha, pois, se bem tenho entendido os debates sobre a questão, a maioria absoluta do PS depende deste assunto. E isso, obviamente, é muito mais importante do que a Educação.

Claro que a minha opinião é totalmente irresponsável. Mas, atendendo a que não sou professor, nem sindicalista, nem secretário de Estado, nem sequer ministro da Educação, vou aproveitar esta falha de responsabilidades para dizer o que eu acho, antes que outro assunto qualquer se torne mais importante.

Para que não restem dúvidas sobre o meu grau de envolvimento na matéria, devo declarar que, até há umas escassas duas décadas, frequentei escolas (sempre na qualidade de aluno). Terminei esse meu envolvimento pessoal no sistema educativo sob a tutela do ministro Roberto Carneiro, na vigência do XI Governo Constitucional, o primeiro liderado pelo actual Presidente da República. Um governo em que o Dias Loureiro era ministro dos Assuntos Parlamentares, o das Finanças chamava-se Beleza e havia dois Arlindos (dois). Coisas de outros tempos. Pelo que, actualmente, o que me preocupa mais no que toca a Educação é a minha filha.

A minha filha frequenta uma escola. Não fosse isso e, egoísta e interesseiro como sou, numa altura destas os problemas da Educação poderiam passar-me ao lado. Mas ontem a minha filha chamou-me a atenção para o verdadeiro cerne do problema. E o verdadeiro cerne do problema da avaliação dos professores é a avaliação dos alunos. Eu explico.

Ontem a minha filha telefonou-me, logo pela manhã. Não é hábito. Confesso que, quando o telemóvel tocou e vi o nome da miúda no visor, fiquei preocupado. "Lá estão eles em greve outra vez", pensei eu (eles, os professores). "Lá andam eles a vadiar pelas ruas ou pelos shoppings", continuei eu a pensar (eles, os alunos).

Enquanto ia pensando estas coisas, premi o botão verde e atendi a chamada. Afinal as minhas preocupações não tinham razão de ser. Tudo estava muito bem com a minha filha. Era intervalo, daí o telemóvel estar ligado, e estava a ligar-me para me comunicar que tinha acabado de receber a nota de um teste de Francês. A nota seguia o modelo de avaliação conhecido por "percentagem". Alguma modéstia me impede de a afixar aqui em toda a sua extensão, mas a nota acabava em meio por cento.

Dei-lhe os parabéns, como se impunha, e fiquei a pensar naquele meio por cento. E foi assim que, finalmente, lá consegui perceber o que se passa com a avaliação dos professores. Para que não fique a ideia de que a maioria absoluta do PS se vai decidir por causa da nota da minha filha num teste de Francês, vou ilustrar a situação, tal como ontem passei a vê-la, com toda a nitidez, mas com nomes e valores fictícios.

A cena passa-se na sala de professores de uma escola secundária. Três professores discutem animadamente a questão da avaliação dos professores: Daniel, professor de Artes e Técnicas do Fogo, Bruno, de Filosofia, e Sónia, Matemática. Sentada um pouco à parte, Idália, professora de Francês, está a acabar de corrigir um molho de testes.

Daniel: Eu acho que já ganhámos, pá.

Bruno: Achas? Não sei... Isso do ganhar é tão relativo...

Daniel: Estás parvo ou quê? Não vistes a adesão à greve?

Bruno: Claro, a greve foi um sucesso, mas não tenho a certeza...

Daniel: És mas é maluco, pá. Noventa e tal por cento!

Sónia: 95,4. O sindicato diz que foram 95,4%.

Daniel: E tu, Idália? Não dizes nada? Não me digas que estás do lado da gaja?

Idália (ainda a acabar de corrigir os testes): O quê? Desculpem lá, estava distraída. Estou aqui a acabar de classificar uns pontos... Certo... Certo... Incompleto...

Daniel (piscando o olho a Sónia e Bruno): É pá, ó Idália, deixa lá essa porcaria, já acabas isso. Cá para mim tu estás é do lado da gaja. Eh eh eh!

Idália: Errado... O quê? Desculpa lá, mas tenho de acabar isto. Ontem foi greve, não me ia pôr a corrigir pontos, pois não? E hoje à noite temos a manif, não vou ter tempo. Deixa lá acabar isto, está quase. 62%. Mais um. Certo, certo, certo...

Sónia: Estive a fazer as contas ao modelo de avaliação. Sabem uma coisa?

Bruno: Eu sinceramente não sei muito bem se sei fazer essas contas, mas o conceito de base é que me parece...

Daniel: Tretas, pá. Diz lá, Sónia, quanto é que te deu as contas?

Sónia: 38,8%.

Daniel: Porra! Quarenta por cento?

Sónia: 38,8. Nas minhas contas dá 38,8%.

Bruno: Mas olha lá, Sónia, que conta é essa?

Sónia: É o tempo que a aplicação do modelo de avaliação nos ia levar a aplicar se a aplicássemos.

Bruno: O tempo? Mas achas que o problema é o tempo? Eu sinceramente acho que é mais o espaço. Onde é que a malta vai fazer isso? É aqui, na sala de professores?

Idália: Tu levas 58%. Não, 60%. Olha, só falta um. O Zacarias. Certo... Certo, certo, certo... Este miúdo é bestial. Certo. Bem. Muito bem. Certíssimo...

Daniel: A verdadeira questão, pá, é a gaja. A gaja deve de ir embora. E mais nada. Tu, Sónia, fizestes as contas. Quarenta e tal por cento do tempo é para a gente avaliarmos os colegas. É ou não é?

Sónia: 38,8%.

Daniel: Prontos, quarenta por cento. É a mesma coisa. Não há condições. Cem por cento de adesão à greve, pá...

Idália: Certo... certo...

Daniel: Vêem? Até a Idália concorda, pá. A gaja não chega às eleições. É certinho! Olha, está a tocar. Embora lá, malta.

Daniel, Sónia e Bruno saem. Idália, que tem o próximo tempo livre, conclui calmamente a avaliação.

Idália: Certo e certo. Grande Zacarias. Este miúdo é impressionante. 100%, sem dúvida. Não, espera. A composição está bestial mas falta aqui qualquer coisa. 'Je adore mon petit chien...' Falta aqui a mot juste... E porque não 'J'adore'? Já demos as contracções apostrofadas... Levas 99%, Zacarias. Não. Também não é justo. 99,5%. É isso. 99,5%.

Idália arruma o molho de pontos na sua pasta e sai da sala.

Esta foi a cena que o telefonema da minha filha me revelou. Até ontem, eu não imaginava que um professor de Francês já tinha de chegar ao meio ponto percentual. Afastado da Educação como tenho andado, pensava que só os ministros das Finanças e os bancos centrais é que iam a esse ponto. Agora compreendo. Agora dou razão à justa luta dos professores e respectivos sindicatos. Só para avaliarem correctamente os alunos, já para nem falar em ensinar-lhes coisas, as 24 horas do dia não chegam. Vem agora uma gaja, lá porque é ministra, a querer aplicar modelos de avaliação? Era o que faltava.

Agora que vi claramente as coisas como elas são, a minha opinião é que os professores têm toda a razão. Avaliação sim, mas assim é que não.

2.12.08

Que se passou ontem?

Lá em casa restaurou-se a árvore de Natal.

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27.11.08

5 no Pireu


A possibilidade de as coisas correrem mal existia. Façam o favor de notar, no post anterior a este (que não perde nada da sua validade), que até tive o cuidado de dizer que podiam correr muito mal. E assim foi.

Que dizer de uma destas? Não muito. Três coisinhas apenas, ficando a mais importante para o fim. As outras duas podem ser vistas como chalaças, mas a última é um assunto muito sério.

1) Ficámos apenas a um de empatar com o Zbordn nesta jornada, equilibrando o facto de o Olympiakos não ser o Barcelona com o não menos facto de termos jogado fora e o Zbordn em casa. Acresce que, tecnicamente, as nossas abébias não são consideradas autogolos e tivemos um anulado (por acaso não vi, mas posso garantir que deve ter sido muito mal anulado).

2) Pode ser que se confirme a teoria de Jesualdo, segundo a qual as derrotas são um factor essencial no crescimento das equipas. Nesse caso, Quique Sánchez Flores demonstra uma invulgar mestria na calendarização dessas necessárias derrotas, que concentra sabiamente na UEFA. Falhou em Berlim, onde só conseguiu perder dois pontos, mas imediatamente corrigiu com os turcos e agora aperfeiçoou com os gregos. Para acelerar o crescimento da equipa já só falta uma convincente derrota caseira com os metalo-ucranianos. Eu sei que não é fácil, mas para as equipas em processo de crescimento não pode haver impossíveis.

3) O Benfica, contra as mais elementares regras do bom senso e do bom gosto, voltou a jogar (chamemos-lhe assim) de calções pretos, o que invariavelmente nos leva à sportinguização das exibições e dos resultados.

Disse.

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Noite negra


Noite negra em Bombaim (vão-me desculpar, mas eu, em podendo, evito os Mumbais e os Beijings). Mas, sobre coisas destas, o que dizer? O choque, o espanto, o horror, o nojo, a raiva, tudo se mistura numa única reacção: o silêncio.

Noite negra, também, em Alvalade. Mais concretamente, no Alvalade, à Churrasqueira. Não aconteceu a única coisa que seria boa para a humanidade — o Barcelona perder. Em termos de resultado, aconteceu normalidade e futebol. Mas a forma como aconteceu, senhores...

Claro que seria mais avisado guardar isto para amanhã, não vá a excursão ao Pireu correr muito mal. Mas nem a maior das tragédias que aconteça hoje pode apagar aquele episódio Monty Pythoniano de ontem.

Não tendo visto a totalidade do episódio, perdi cenas de raríssima beleza. Diz que o tribunal de Alvalade, já em plenos 2-5, assinalava com vigorosos olés uma ou outra troca de bola dos seus defesas. Ao que os estupefactos culés (pouquíssimos, como sempre fora do seu nicho) respondiam imediatamente com olés (imediatamente porque, como é natural, as referidas trocas de bola entre jogadores do Zbordn eram de muito curta duração e o mais habitual era serem os do Bardazona a trocá-la entre si). O tribunal de Alvalade recorreu então a outra palavra de ordem para, de alguma forma, chatear os outros. Entoou-se, então, o nome de Figo, com aquela boa disposição só ao alcance de quem está a levar cinco em casa. Os outros, que eram poucos mas aparentemente bem informados sobre os pontos fracos dos locais, responderam por sua vez com sonorosos Benfica.

Isto foi o que eu, infelizmente, não vi. O que eu vi, ao nível do resumo, foi: um óptimo golo (o do Veloso), o que, em sete, não é grande coisa; duas baldas das defesas que deram ao Messi e ao Liedson oportunidades para, respectivamente, uma assistência e um golo; dois autogolos, qual deles o mais ridículo; uma ciganice, daquelas em que o Bardajona é pródigo, que dá golo ao Messi; um penálti possivelmente ainda mais ridículo que os autogolos e tão mal marcado que devia contar como autogolo, porque até entrou.

Isto foi o que eu vi. Atendendo a que as vitórias do Barejona me desgostam e as derrotas do Zbordn, só por si, não me alegram, não gostei. Teria preferido ver e ouvir, com os meus próprios couratos, a meia dúzia de excursionistas do Batatona aos gritos de Benfica Benfica Benfica nas traseiras da churrasqueira, numa noite negra.

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19.11.08

Democracia? Espera aí que eu já te atendo.

Aqui vai o meu modesto tributo a Manuela Ferreira Leite, a verdadeira Mulher-Falcão. A hipótese de suspender essas trapalhadas da democracia por meia dúzia de meses, só para pôr as coisas a funcionar, não é nova mas é sempre uma boa ideia. Já ouvi e li por aí que se trata de humor do mais refinado, de uma finíssima ironia que só por má fé ou esquerdismo contumaz se pode levar à letra. A julgar pelos mais recentes exemplos do humor da Mulher-Falcão (o desemprego em Cabo Verde e na Ucrânia, os polícias-palhaços, os jornalistas e editores-palhaços, etc. etc. etc.), quem sou eu para dizer que não. É aliás um género humorístico com grandes tradições, com intérpretes tão inspirados como Augusto Pinochet, José Eduardo dos Santos, Vladimir Putin, Pervez Musharraf, Mahmoud Ahmadinejad, Muammar al-Gaddafi, Tejero Molina e tantos outros que vão animando os povos de todo o mundo. Já agora, que fique o registo: Hawke, que não quer dizer falcão, é o nome de uma baía na costa oriental da Ilha do Norte, Nova Zelândia, e Ladyhawke vai estar visível e audível em Lisboa, a 3 de Dezembro, no âmbito do SuperBock em Stock. Isto se não houver nenhuma suspensão temporária das democracias, claro.

18.11.08

80 anos com a cabeça entre as orelhas

O velho Mickey faz hoje 80 anos. Aqui vão os parabéns.

13.11.08

Aos abrigos! Eles estão de volta! (tanto ponto de exclamação!)

Tremei, ó infiéis! Ao longo dos últimos meses, não recebi um único pedido para retomar a interrompida partilha d'Os Tugíadas. Essa é apenas umas das razões que me leva, ou levam, à retoma. As outras não faço ideia quais sejam. Tomem lá e não digam nada, que ainda pode ser pior.




À pequenita nunca a descobriram,
Sobre ela se abateu pesado manto; 

Enquanto as novidades se arranjaram
Chorou do peito o luso grosso pranto,
Em contraste c’os pais, que não choraram:
Mais pareciam feitos de amianto,
Ou de aço temperado na desfeita
Que fizeram... ou não, fica a suspeita.



Revive-se outro caso, doutro dia,
Daqueles Ciprianos, que afligiam,
Não pelo seu sotaque, de algarvia
Lavra, mas outrossim por que diziam.
Também da filha a mãe já não sabia,
Na pequena Joana só batiam:

“Matá-la? Não! Que horror! Por quem nos crêem? 

Se souberem notícias, que nos dêem!”

(...)

11.11.08

What is it good for?

A guerra que ia acabar com todas as guerras acabou faz hoje 90 anos. Na altura era mais conhecida como Grande Guerra. Hoje chamamos-lhe Primeira Guerra Mundial, porque logo 20 anos depois veio a outra. E com os mesmos protagonistas. Ou seja: em termos de acabamentos, a Grande Guerra não se pode considerar um grande sucesso. Ainda hoje serve de exemplo de que derrotar o inimigo é só a parte mais fácil de ganhar a guerra. Serve também para demonstrar a suprema estupidez da guerra, na medida em que o Tio Adolfo andou lá metido e nem sequer morreu.

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10.11.08

Os ontens, os hojes e os amanhãs


A Kristallnacht, o grande pogrom prenunciador do Holocausto, foi na noite de 9 para 10 de Novembro de 1938. Fez esta noite 70 anos.

Muito mais a propósito do que possa parecer: hoje, ainda no rescaldo da vitória de Obama, vai-se ao Haaretz e encontra-se este texto sobre a (im)possibilidade de um árabe ser eleito primeiro-ministro em Israel.

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Abatut ou valetut?


Vem o que se segue a propósito dos recentes percalços na banca e restante sistema financeiro. Vem muito particularmente a propósito do percalço BPN.

Aqui há tempo, referi aqui um livro chamado A Catedral do Mar. A acção passa-se em Barcelona, em tempos medievais, e lá pelo meio há referências históricas muito interessantes ao sistema de regulação das actividades financeiras. Daí o ter-me ocorrido.

Sem querer enquadrar demasiado (isto é, sem chegar ao ponto Weber e à influência da ética protestante no espírito capitalista), há que pelo menos referir que a cristandade da altura não via o juro com bons olhos. As actividades de agiotagem, financiamento, seguros e quejandas eram interditas ou desaconselhadas a cristãos. E eram muito reguladas.

Em Barcelona, no tal exemplo que me chegou via Catedral do Mar, havia um código penal bastante penalizador das aventuras e dos incumprimentos. Um tipo com loja (de dinheiro) aberta que por algum motivo deixasse de assegurar o cumprimento das suas obrigações era considerado abatut. Esta figura jurídica não deveria andar longe daquilo a que chamamos falência e resultava directamente da incapacidade de respeitar determinados rácios de solvabilidade. Uma vez constatada a situação de abatut, o financeiro em causa tinha um período de tempo (não muito extenso) para regularizar as suas contas. A parte final desse período de tempo era passada já na condição de engaiolado. Findo o tal prazo, se o abatut se mantivesse, o sujeito era decapitado.

Descontada a brutalidade da época, compreende-se a intenção de manter sãs as operações financeiras. É que o dinheiro já na altura tinha a mania de não cair do céu. Então como agora, em Barcelona como cá ou em qualquer parte, quando alguém decide ficar com muito mais do que tinha, há uma tendência fortíssima para que outrém fique com muito menos.

Parece-me muito bem que, no século XXI, já não cheguemos ao ponto da decapitação. Mas não me parece nada bem que, cá pelos nossos lados, se tenha evoluído para um sistema de impunidade total. As leis da física monetária não se alteraram — ele continua a não cair do céu, continua a não nascer do chão e continua a fazer falta a todos. Por isso, não há razão para que os códigos e as práticas penais não continuem a punir todas as formas de apropriação indevida, comummente conhecida por roubo. Mas, se há coisa de que podemos estar certos, é que nada vai acontecer e os negócios de Portugal (os do dinheiro e os da justiça) continuarão como de costume. Ou seja, mal.

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Obrigado ao L. Rodrigues, que me indicou a via para a reapropriação do tão necessário mini-caixotinho.
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7.11.08

Berlusconi, Hamas, tanto faz

A unanimidade é um fenómeno raro entre os humanos. Um fenómeno tão raro e tão anti-natura que nos deve sempre fazer desconfiar. Quando em excesso, a concórdia chega a ser pior que a discórdia.

Vem esta filosofia a propósito das reacções à vitória de Obama. Quando já podíamos temer um nefasto unanimismo, eis que duas preciosas contribuições vêm reconfortar-nos:

"É jovem, belo e bronzeado", observa Berlusconi. "Obama? McCain? Tanto faz, dá igual", é a reacção de um fedelho qualquer, em nome do Hamas.

Obrigado a ambos os cavalheiros. Obrigado por nos fazerem acreditar ainda mais. Sim, nós podemos ter razão. Nós, as pessoas normais. Nós, as pessoas habitualmente decentes. Nós, incluindo John McCain, Condoleezza Rice, George W. Bush e o próprio senhor das barbas da Quadratura do Círculo.

6.11.08

Há que dar mérito ao dragão

Era preciso o segundo golo? Marcou-se o segundo golo, pois então. Não se deixando perturbar pelo lugar pouco habitual que ocupa na Liga, esta vitória a meio da semana coloca o clube de novo entre os grandes.
Sai uma Carlsberg fresquinha pelo Olhanense, com o reconhecimento devido a Jorge Costa!

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5.11.08

Palavras de honra e substância

O L. Rodrigues chamou-me a atenção para o que perdi esta noite, nos momentos em que estive desacordado. Como acontece frequentemente, ele (o L. Rodrigues) tinha razão. O discurso de John McCain, aqui muito bem resumido e comentado, não é para se perder.

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Yes yes yes!


Yes they could
Yes we care
Yes we.

4.11.08

TVGuia para esta noite

Com a preciosa colaboração do Dallas Morning News, aqui vai um guião para a noite eleitoral. Os resultados que interessam, para quê e a que horas (de Lisboa).

19.45

• À laia de aperitivo para o tão aguardado embate Republicanos Vs Democratas, a RTP1 serve o Monárquicos da Churrasqueira Vs Plutocratas do Kalmius.

23.30

• Interrompa o Trio d'Ataque para ver os primeiros resultados do Indiana, Ohio e Virginia. Bons indicadores para ver se há sucesso de Obama em estados tradicionalmente republicanos.

• Obama ganhou a Virginia? Então pode começar a chamar os Urbanos para a mudança para a Casa Branca. Se houver equilíbrio no Ohio e Indiana, há que fazer fé nas zonas predominantemente negras de Cleveland e Gary (mais populosas, devem levar mais tempo a sair; esqueça o Trio d'Ataque). Se Obama ganhar estes três estados podemos começar a dizer mal dele, na sua nova qualidade de Presidente dos EUA.

• Para os verdadeiros junkies, há a eleição para o Senado no Kentucky. Uma derrota aqui pode ser o prenúncio de uma noite de Halloween aprés la lettre para a elefantaria republicana.

00.00

• McCain fez bem ou fez mal em gastar tanto como gastou (em dinheiro e em tempo) na Pensilvânia? É o que vamos saber ao soar das doze badaladas. Outra coisa que se poderá detectar é o famoso efeito Bradley — se as sondagens puxaram Obama para cima, a Pensilvânia seria um bom sítio para o recambiar para baixo.

• Pista importante: quanto tempo é que as CNNs da vida levam a arriscar um prognóstico? Quanto mais tempo levar, mais hipóteses para McCain. A CBS promete uma projecção do vencedor para as 23.00 se os resultados o permitirem (leia-se se a sova for das grandes).

• Como ficou visto em 2000, não é de esperar resultados rápidos na Florida. O estado é pão para a boca de McCain, enquanto para Obama seria a cereja no cimo do muffin.

• Olho no Missouri, que é visto como um dos estados que podem cair para o lado de McCain. Também serve de barómetro à receptividade do eleitorado mais rural a um presidente Barack Hussein Obama (o mesmo vale para a Pensilvânia e Ohio).

• Se a política interna texana o fascina, não perca a corrida a xerife do condado de Dallas (Valdez, o detentor do título, no canto azul, contra Cannaday, no canto vermelho).

00.30

• A Carolina do Norte fecha as urnas. Aqui está um belo indicador para se ter uma ideia do quão longa se tornará a espera dos democratas até poder deitar os foguetes. Uma vitória de Obama é quase sinónimo de bye-bye McCain. Na eleição para o Senado, uma vitória de Kay Hagan (à custa da actual Senadora Elizabeth Dole) pode ser o prenúncio de uma jornada muito lucrativa para toda a turminha do burro.

01.00

• Se McCain ainda não tiver ido ao tapete, o Colorado torna-se muito importante. Um bom resultado negaria todas as sondagens mais recentes e as multidões que foram engrossando a Obamania.

• Juntamente com o Novo México e o Minnesota, o Colorado pode ajudar a definir se os democratas alcançam uma maioria das antigas no Senado.

• No Vermelhistão profundo que é o Texas, a única coisa a observar serão eventuais sinais de baixa de popularidade dos republicanos (coisas da eleição estadual e da Câmara dos Representantes). O McCain perder aqui é o mesmo que o Alberto João perder na Madeira.

02.00

• O Nevada é mais um dos tais estados que tanto pode dar um novo fôlego a McCain como dar mais uma orelha a Obama.

• O Montana, onde as sondagens deram uma surpreendente aproximação de Obama, é outro bom indicador sobre a noite republicana: dá para sonhar ou é pesadelo certo?

03.00

• California über alles. Com os seus 55 votos no Colégio Eleitoral, pode ser o sinal para largar a rolha do champanhe azul. Mas porém no entanto e contudo, se houver muito equilíbrio noutros estados e/ou trapalhada com os escrutínios, nem a Califórnia chega para arrumar a questão.

03.00

• Para quem não esteja demasiado absorvido nos referendos locais ou na eleição do reitor da escola, é uma boa altura para ver o que se passou na Liga dos Campeões (ou até mesmo para ir dormir, sabe-se lá).

04.00

• Se a corrida ainda não acabou a esta hora é dar os parabéns a McCain pela combatividade, uma última olhadela ao Abrupto e retirar airosamente para Lennsoll Valley.

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3.11.08

Homens de Olhão à proa da canoa

Do que se passa na Liga da Cerveja toda a gente sabe. O Desinfeliz tenta, sempre que possível, divulgar o que vai acontecendo na muito menos mediática Liga da Água.

Ora o que se passou este fim-de-semana na Liga da Água é ainda mais brilhante do que os paralelos acontecimentos na divisão cervejeira: o Olhanense deslocou-se ao Barlavento (as gentes locais chamam a esta visita a Invasão de Portimão, que veio suprir a falta das saudosas Invasões de Faro nos actuais calendários desportivos, derivado ao gigantesco trambolhão do Farense) e veio de lá com belíssimo 3-2. Isto no sábado. No domingo todos os restantes empecilhos (Santas Claras, Sportings das Covilhãs, Boavistas, Varzins e afins) encarregaram-se de empatar ou perder. Resultado: à sétima jornada o Olhanense é líder destacado (destacado por um ponto inteiro) da Liga Vitalis.

Se isto não acrescenta beleza ao Mundo, não sei que mais posso fazer. Se fosse cidadão americano, poderia e votaria Obama. Sendo tuga em regime de exclusividade, só posso deixar aqui o meu tributo aos Heróis do Mar que intrépidos lideram as tabelas dos respectivos elementos líquidos (os de Olhão e os de Matosinhos).

31.10.08

A facilidade matou o Rabin


Este moço (o do meio, o que não está fardado) é Yigal Amir, o extremista (de direita) que matou o primeiro-ministro Isaac Rabin (em 1995, se bem se lembram). Está preso, que é o que acontece a certas pessoas em certos países quando são apanhadas depois de terem feito certas coisas... mas não é isso que interessa agora. O que interessa é que está preso.

Estando preso, o jovem Amir deu uma entrevista via telefone a dois canais de televisão israelitas, na qual explica de onde lhe veio a ideia de matar Rabin. E a história é tão só uma variante da celebérrima ocasião que faz o ladrão.

Amir conta que foi a um casamento onde se encontrava também Rabin. Não pôde evitar reparar que o primeiro-ministro se fazia acompanhar de um único guarda-costas. "Se lhe apertasse a mão podia facilmente dar-lhe um tiro, se quisesse. Eu tinha uma arma comigo. Vi que era tão fácil e disse a mim próprio que passados uns anos me ia arrepender de não o ter matado".

Esta terá sido, então, a inspiração para o acto que veio a cometer pouco tempo depois. Se é tão fácil, por que não? Quanto às motivações mais profundas, os por que sins: à pergunta sobre quem o influenciou na decisão de assassinar Rabin, Amir responde "todos os que entendem as coisas militares. Todos os peritos militares disseram que os Acordos de Oslo foram um desastre". E pronto. Está explicado.

Entre os muitos que se mostraram chocados com a entrevista (a família de Rabin, por exemplo) encontram-se os Serviços Prisionais de Israel. É que Amir não tinha autorização para dar entrevista nenhuma. Ao contrário do que se passava há uns tempos, as chamadas de Amir não estavam a ser 'monitorizadas' (escutadas, portanto) e a entrevista surpreendeu fortemente os responsáveis dos ditos serviços.

Para além da facilidade no uso da pistola, Amir demonstra também ser exímio no manejo do telefone. No passado mês de Agosto, utilizou o telefone da prisão (o mais fixo dos fixos, diria eu) para dirigir ameaças a um vizinho da Sra Amir, no contexto de um desentendimento sobre canos furados.

Quem também se encontra aos cuidados dos referidos serviços prisionais é Hagai Amir, irmão de Yigal. Menos eficaz que Yigal, talvez mais dado às coisas do espírito, Hagai está dentro por mera conspiração para cometer assassínio. E consta que foi levado a sério quando confidenciou a alguns guardas que lhe bastava fazer uma chamada para mandar o primeiro-ministro pelos ares.

Nessa altura, Hagai perdeu aquilo a que se chama os privilégios de telefone. Agora, a mesma medida foi aplicada a Yigal. Um dos canais já anunciou que não vai transmitir a programada segunda parte da entrevista, enquanto o outro mantém a intenção de a divulgar.

Moral da história? Convenhamos que não há.

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27.10.08

2 em 1 (ou mais)

Ganhar por 2 a 1, na mesma jornada em que o comandante perde por 3 a 2 e o rival Sporting empata, não é bom. É óptimo. Mas foi isso mesmo que aconteceu ao Olhanense: 2-1 na Vila das Aves, com o líder Santa Clara a perder em Barcelos por 3-2 e o Sporting da Covilhã a empatar (1-1, em casa, com o Freamunde).

Isto na Liga da Água, porque na Liga da Cerveja foi tudo completamente diferente: o Febóqueluporto perdeu por 3-2 mas foi em casa, o Zborden da Padre Cruz empatou mas foi a zero e o Sport Lisboa e Benfica ganhou por 2-1 mas só alguém manifestamente desrespeitador do bom nome das instituições pode dizer que foi na vila das aves.

E por falar em aves, a jovem Vitória, talvez antecipando o que se ia ver durante os 90 minutos, executou na perfeição uma apertada meia volta sobre a asa direita e saíu pelo caminho mais curto. Sábia Vitória.

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23.10.08

Hear our voices, we entreat

Flight Of The Conchords. Mais uma razão para cantarmos todos, convictamente, God Defend New Zealand.

22.10.08

Desinfecção científica



Se há género literário que nunca apreciei particularmente (e há até muitos géneros literários que nunca apreciei particularmente, mas deu-me jeito começar assim) é a chamada Ficção Científica. Isso já fez com que alguns livros que acabei por apreciar imenso tenham levado umas quantas décadas a penetrar a couraça da minha indiferença. Só por virem com o malfadado rótulo da Ficção Científica. Preconceitos, que se há-de fazer.

Um desses casos, que agora, dito assim, parece quase tão absurdo como na realidade é, deu-se com o Senhor dos Anéis. Ainda eu estava na tal idade que o Reininho recomenda para a leitura d'A Obra quando dei pela existência d'A Obra. Mas alguém, vá-se lá saber quem e porquê, me disse que aquilo era bestial e que era Ficção Científica. Bestial, escuso de ler, terei eu pensado. Aguardei, pois, que um neozelandês barbudo me mostrasse que não, que aquilo não era Ficção Científica, para poder ler sossegadamente A Obra.

Deu-se-me agora outro desses casos, com o jovem Arthur C. Clarke. Mão amiga ofereceu-me recentemente uma caixinha cheia de DVDs do Kubrick, entre os quais o 2001 Odisseia no Espaço. Para além do filme, o DVD prima por ter extras verdadeiramente bestiais. Nesses extras aparece o jovem Arthur C. Clarke a dizer coisas. Talvez por isso, e certamente por já terem passado mais de cinquenta anos sobre as edições originais, dirigi-me à prateleira respectiva do escritório lá de casa e experimentei um dos Clarkes que lá tenho. Gostei, experimentei outro, não desgostei, estou a experimentar outro, e a gostar, e assim sucessivamente.

Há várias coisas bestiais nisto. Uma é que escuso de gastar dinheiro, até porque quando acabar os que tenho não me vou pôr a comprar Clarkes. Outra é que aquilo deixou de ser Ficção Científica e passou a ser outra coisa qualquer, muito mais próxima de coisas de que eu gosto muito mais, como por exemplo a História. Num registo que só aparentemente é diferente do Senhor dos Anéis, o que Clarke partilhava com o resto da humanidade nos anos 50 não era a costumeira ficção situada em cenários alcunhados de científicos. Tal como Tolkien com a Terra-média, e ao contrário dos escribas menores, o que verdadeiramente interessava a Clarke era o cenário em si.

Tolkien deu-se ao trabalho de criar todo um mundo, que só por acaso não existiu, para que nesse mundo se pudessem ter falado e evoluído as línguas que lhe apetecia inventar; os hobbits, os anões, os elfos, os orcs, os feiticeiros, os entes e o resto da matilha toda são os acessórios indispensáveis à composição desse mundo. É curioso que o mundo que Clarke se deu ao trabalho de partilhar connsoco era e continua a ser perfeitamente possível, porque a sua base, as leis da física, ainda não mudaram substantivamente, mas hoje está muito mais distante do que na altura em que era considerado Ficção Científica.

Por mim, tudo bem. Leio os livritos, aclaro ligeiramente alguns dos imensos buracos negros da minha ignorância das coisas da Física e derivados, fico a saber a que velocidade é que tenho de me pôr a andar se algum dia quiser entrar em órbita, e quanto mais é que preciso de acelerar para chegar a Vénus ou a Marte, o que é tão deliciosamente inútil como saber agradecer em Sindarin ou dizer adeus em Quenya, e com isto fico todo contente.

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21.10.08

Nós e os outros

First they came for the Communists but I was not a Communist so I did not speak out;
Then they came for the Socialists and the Trade Unionists but I was not one of them, so I did not speak out;
Then they came for the Jews but I was not Jewish so I did not speak out.
And when they came for me, there was no one left to speak out for me.


Martin Niemoller, 1892-1984

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Amis, filho de Amis


Acabo de ler o meu primeiro Amis filho. Gosto muito do Amis pai. Também não desgostei do Amis filho. Em certos momentos chegou a lembrar-me o velho Damon Runyon, e não sei o que posso dizer de mais elogioso. Mas também me tocou uma campainha de Lobo Antunes mas de quando eu gostava de Lobo Antunes mas agora já não, por isso não sei.

Não desrecomendo a ninguém, antes pelo contrário, a leitura de Yellow Dog, da autoria de Amis, Martin, filho de Amis, Kingsley, mas para mim, na minha opinião, parece-me pessoalmente que vou continuar a preferir o pai. Freud, filho de Jacob, poderia explicar. Mas ninguém garante que explicasse bem ou que alguém entendesse.

Lá pelo meio, há um personagem deliciosamente Runyonesco (creio que dá pelo nome de Tony Eist) e que nos é apresentado como um bandido entre bandidos, um tipo tão intrinsecamente desonesto que comete crimes mesmo nos seus alibis. Do género: Mas como é que eu podia fazer a caixa do Multibanco no Montijo se a essa hora estava a enrolar uma velha na Trofa? No caso da edição que li, valeu a pena ler chegar a páginas 261 para dar com este Tony Eist.

Por falar em nomes, agora vejo que há também neste cão amarelo algo de reminiscente do bom velho Diniz Machado e do seu Molero. Desde Austin, Mister DeLuxe, Peida Gadocha, Descoiso e companhia que não apanhava uma galeria de personagens com nomes tão tão tão: Russia, uma americana; He, uma mulher extremamente oriental; Love, um criado do rei; Car, um ex-futebolista galês caído em desgraça; And, um gajo qualquer; e outros, muitos outros. Exuberante e prodigiosa, a nomenclatura Amisiana filha.

E prontos. Não asso mais carapaus. Leiam, se quiserem, ou não, se não.

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17.10.08

Viagem de Bentley


'The moustache of Adolf Hitler
Could hardly be littler,'
Was a thought that kept recurring
To Field- Marshal Goering.

'No, sir,' said General Sherman,
'I did not enjoy the sermon;
Nor I didn´t git any
Kick outer the litany.'


'Clerihews'
(excerto), de E.C. Bentley

16.10.08

Não, o Paranormal nunca será perdoado


Os desvarios do PREC não acrescentaram virtudes à Outra Senhora. As agruras do pós-guerra nunca trouxeram saudades do Tio Adolfo. O Terror não reabilitou o Absolutismo. Nem mesmo McCain, se fosse eleito, poderia alguma vez causar uma vaga de fundo a pedir o regresso de Bush.

Por muito mal que corram as coisas nesta fase de regresso à normalidade (e é difícil imaginá-las a correr pior) nunca me verão pedir o regresso do Paranormal. Aliás, está por demonstrar que uma boa parte da responsabilidade dos eventos actuais não deva ser directamente assacada ao Paranormal.

Quanto ao próprio Queirós, ser-lhe-emos eternamente gratos por isto.

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15.10.08

Random Reflection

How odd
Of God
To choose
The Jews!


Isto deve-se a W. N. Ewer (Ewer, William Norman, 1885-1976, jornalista, evidentemente britânico, também conhecido por Trilby, pseudónimo). Não sei porquê, apeteceu-me botar isto aqui. E apeteceu-me ilustrar isto com o episódio da luta entre Jacob e o Anjo (sendo que Jacob é o artista posteriormente conhecido como Israel e Anjo é provavelmente um pseudónimo de Deus, neste como noutros episódios). Mas que se lixe. A quadrinha é bem caçada e a imagem é bonita, não é? Isso é que interessa. Ou não, talvez. Mas adiante.

Sendo os judeus um povo a quem se tem acusado de tudo menos de falta de sentido de humor, atribui-se a Leo Rosten a seguinte resposta:

Not odd
of God.
Goyim
annoy 'im.


Para quem não saiba e não esteja para se chatear a ir ver, goyim são os gentios, que é o que nós, os não-judeus, somos, para os judeus.

Num registo de quem leva a coisa mais a sério, há esta outra resposta que a Wikipedia não sabe se há-de atribuir a Cecil Brown ou a Ogden Nash. Eu, que só conheço o segundo, diria que não interessa muito de quem é. Diria também que não é preciso ser nenhum Sherlock Holmes para deduzir que é de autoria goyim. É assim:

But not so odd
As those who choose
A Jewish God
Yet spurn the Jews.


Tendo chegado ao Ewer e à sua singela Random Reflection por via do meu já citado Modern Humour, an anthology for the sixties, a Wikipedia é que me permitiu dar estes saltinhos até ao Ogden Nash, com cujo me proponho encerrar o posto. Joyce Kilmer (não faço ideia quem cereja e não se me fez o clique de indagar) terá avançado com isto:

I think that I shall never see a poem lovely as a tree.

E vai o velho Ogden:

I think that I shall never see
A billboard lovely as a tree.
Perhaps, unless the billboards fall,
I'll never see a tree at all.


E com esta me fico. Quanto mais não seja até à próxima.

14.10.08

Injecção de pesporrência


Alguém, sem ser este desinfeliz, viu ontem o Prós e Contras? Pois.

De José, o Manuel, não vou falar. Não me apetece. E mesmo que me apetecesse não haveria nada para dizer.

Já os quatro cavaleiros da banca, ali juntinhos, têm que se lhes diga. Claro que não é a Fátima Campos Ferreira que os vai pôr a dizer seja o que for que não lhes apeteça (se bem que o Ulrich esteve lá quase, tamanha era a carga de nervos que a mulher lhe estava a meter; e como eu o compreendo). A postura de Estado, quando não é de enfado, sai-lhes quase com naturalidade. Vamos lá, os quatro, e só com a Nossa Presença vamos dar ao povo um Sinal. Sinal de quê? Da Nossa Presença. Muito bem, malta, é isso. Vamos lá. E lá foram.

Ao contrário de todas e de cada uma das emissões anteriores do Prós e Contras, nesta não se ouviam sequer as moscas na plateia. O realizador de vez em quando mostrava que sim, que havia gente ali, mas não era a maralha do costume. Era gente séria, respeitável e, acima de tudo, respeitadora. Duvido que tenha sido preciso pôr aquela tropa a assinar algum papelinho. Um erguer de sobrancelha e um dilatar de pupila por parte de uma qualquer daquelas eminências seria mais que suficiente para os reduzir a todos ao silêncio.

A Presença dos quatro potentados, amplamente apregoada em todos os canais da RTP, era o que o programa tinha para oferecer. Alguém esperava, sinceramente, que a solenidade e a gravidade da Presença fosse perturbada por gente a fazer perguntas ou a contrapor opiniões? É possível que isso até tenha passado na cabeça de algum elemento mais contumaz da produção. Tenho a nítida sensação de ter visto, entre os escudeiros e lacaios dos quatro potentados, um ou outro director de publicação da área económica. Talvez esses tenham sido obrigados a assinar o papelinho. Ou não. Não posso garantir.

Seja como for, a cerimónia decorreu sem quaisquer imprevistos. A liturgia perfeita. Fátima Campos Ferreira, imune às evidências, consegue convencer-se a si própria de que está a desempenhar o seu papel de espremer até sair sumo. Com isso, consegue provavelmente convencer também uma boa parte da audiência. Pelos vistos as pessoas gostam que as pessoas as convençam de coisas, desde que fique bem claro que elas, as pessoas, não estão lá muito convencidas de coisa nenhuma.

Em termos de pesporrência pura, não houve rival para Santos Ferreira. O homus millennium é assim ou é o Santos Ferreira que é assim? Um pouquinho de cada, provavelmente. Mas numa altura destas? Numa cerimónia daquelas? Não tenho dúvidas de que, em querendo, o Ulrich, o Salgado, mesmo o Faria, serão perfeitamente capazes de produzir níveis invejáveis de pesporrência. Mas ontem acharam, e bem, que os tempos e a cerimónia pediam outra postura.

Resta saber o que é que se passou para o Santos Ferreira ficar tão isolado na sua demonstração de pesporrência. Será por ganhar mais que os outros? Será por ganhar menos que os outros? Será que tiraram todos à sorte e calhou-lhe a ele fazer aquela figura, para dar um pouco mais de credibilidade ao programa? É que a credulidade do povo também há-de ter os seus limites, e estes provavelmente não incluem quatro potentados da banca aparecerem no mesmo dia e à mesma hora sem sinais ostensivos de pesporrência. Ou será uma manobra concertada da restante banca contra o BCP? Há que estar atento.

Mais incómoda ainda do que a pesporrência é a sabujice, quanto mais não seja porque aquela se alimenta desta. Sabujice da RTP, que impinge aquela Presença sob a capa do Prós e Contras (Conversa em Famílias talvez fosse uma designação mais apropriada para aquele formato). Sabujice da maralha-premium que se presta àquele papel de ir encher a plateia sem levantar um dedinho que seja (a não ser, eventualmente, para tirar algum macaco do nariz). Sabujice das audiências, que não dão mostras de se incomodar com estas coisas.

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13.10.08

A minha contribuição para Santa Pristina

No meio dos biliões todos de que tanto se tem falado nos últimos dias, houve 120 milhõezitos que passaram despercebidos. Reunidos algures, os responsáveis europeus por estas coisas decidiram que o Kosovo não ia lá só com o reconhecimento de Portugal. Não. O Kosovo irá muito melhor com 120 milhões de euros de 'ajuda comunitária'.

Desses 120 milhões, quanto é que será a minha parte? Se se dividisse à moda do Porto, pelos 495 milhões dos 27, daria €0,242424 por cabeça. Vinte e quatro cêntimos e pico. Cinquenta paus, vá. Provavelmente será um pouco mais, porque não acredito que os espanhóis, os cipriotas e os outros irresponsáveis todos que ainda não reconheceram o Kosovo também entrem na vaquinha. Aí os meus cinquenta mil réis subiriam para setenta ou oitenta. Claro que também se pode dar o caso de os alemães entrarem com mais do que a parte deles (espero bem que neste caso isso aconteça), o que poderia levar a minha contribuição novamente para os cinquenta paus.

Seja lá quanto for, acho mal. Acho mesmo muito mal. Mal por mal, prefiro doar os meus cinquenta paus a um banco qualquer em apuros do que ao Kosovo.

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9.10.08

Bestandwin


Ontem vi isto nas notícias e não acreditei. Impossível.

Depois lembrei-me: espera aí, eu conheço este sujeito (o vendedor do produto, que aparecia todo contente a explicar tudo). É menino para isto. O impossível passou a não querem lá ver.

Mas então e a entidade reguladora? O Banco de Portugal, numa altura destas, não ia permitir uma coisa destas. Enfim. Quer dizer. Pois. Vieram-me à memória todos os últimos exemplos da actuação (chamemos-lhe assim) do Constâncio. Aí o não querem lá ver virou foda-se, isto é verdade.

Há pessoas que não entendem bem as coisas se ninguém lhas explicar, de preferência com ilustrações, gestos e demonstrações práticas. Tem sido, historicamente, o caso dos defenestrados, dos guilhotinados e dos romanovisados. Quando a populaça atinge um ponto qualquer de saturação, dão-se todo o tipo de incidentes desagradáveis e sangrentos, reprováveis, é certo, mas que têm pelo menos o condão de ninguém mais poder dizer que não está a perceber o que se passa.

Veja-se o caso da wrap party dos moços da AIG. Um beberete de 440 mil dólares, uma semana depois dos 80 biliões do bail out. Se um dos empregados do resort, chamado a servir aquela rapaziada e perturbado por ter a sua reforma e poupanças entregues à AIG, desse mau uso a alguma faca da cozinha, por exemplo, de quem seria a responsabilidade?

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8.10.08

Foi você que falou em irreversibilidade?


"Na sequência de um amplo e diversificado conjunto de contactos prévios (...), foi esta tarde enviada uma carta do Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros ao seu homólogo do Kosovo onde se comunica que, com efeitos a partir desta data, o Governo Português reconhece formalmente a República do Kosovo como Estado soberano e independente", diz ao povo e ao mundo o Ministério dos Negócios Estrangeiros do Governo da República Portuguesa.

Diz que, feita "uma avaliação metódica da questão", "constatou que as autoridades do Kosovo têm respeitado os compromissos assumidos perante a ONU" e "entende que a evolução dos acontecimentos no Kosovo é globalmente positiva". Presumo que com isto se queira dizer que estamos muito contentes e nos damos por muito satisfeitos por, oito meses depois da declaração de independência, ainda não ter havido guerra da grossa ali naquele sítio tal e qual. A da Geórgia não conta, porque é mais para acolá.

A palavra-chave mais usada ontem pelo ministro Amado (pareceu-me mesmo que era a única, mas pode ser um disparate da minha parte) é a irreversibilidade. Antes do Amado ministro, já tinha vindo o inenarrável Lello preparar o terreno para o triunfo da irreversibilidade. Claro que não há conceito, por mais virtudes que tenha, que resista a ser anunciado por José, o Lello. E este da irreversibilidade está longe de ser virtuoso. Irreversibilidade não é mais e chega a ser bastante menos que a famosa real politik: as coisas são como são e os estados, sendo como são, fazem as coisas que fazem porque as coisas e os estados assim o exigem.

Ao contrário da real politik, que contém uma componente de procura activa de um interesse do estado, a irreversibilidade é um conceito de absoluta passividade, que também poderíamos designar por no politik (ou a política do Maria-vai-com-as-outras, como Santos Pereira bem resume). É a mera constatação de facto. No caso do Kosovo é pior um pouco, porque nem o Zandinga se atreveria a prever o que se vai passar nos Balcãs nos próximos tempos, quanto mais o Lello ou o Amado.

Até ontem, julguei que era a real politik que levava a República Portuguesa a não se precipitar no reconhecimento do Kosovo. Não indo mais longe, o precedente kosovar pode dar verdadeiras arrelias em Espanha. Já deu na Geórgia. E não há razão nenhuma para não dar em Chipre, na Córsega, na Irlanda, na Bélgica, na Macedónia, em Cabinda, na Transilvânia, no Alasca, na Madeira, nos Açores, nas Berlengas ou na Cova da Moura. Por exemplos.

Timor-Leste é a prova (essa sim, mais que provada) de que o princípio da irreversibilidade vale o que vale, para não dizer menos. Se Portugal fez alguma coisa foi não aceitar a anexação/integração como irreversível e, provavelmente com boas doses de real politik, conseguir convencer outros estados das vantagens da não aceitação da irreversibilidade. Foi teimar e teimar e teimar até à reversibilidade total.

Ontem o Amado não estava muito numa de dar explicações, talvez porque não as tenha para dar. Abespinhou-se todo com uns deputados e lá fez à noitinha o grande frete de passar um quarto de hora com a Ana Lourenço. Sem ser a irreversibilidade, só o ouvi falar em timing (conceito para o qual o Lello não nos tinha alertado). O timing era justamente a única coisa que eu pensava que Portugal estava a gerir com real inteligência. Sendo óbvio para toda a gente que a posição de Portugal, em si, não aquece nem arrefece coisíssima nenhuma, havia todo o espaço do mundo para escolher o tempo do anúncio (dando de barato que haja boas razões, das tais da real politik, para que se acabe por chegar ao reconhecimento e consequentemente o timing seja a única verdadeira questão a resolver).

O Lello pode não perceber e o Amado pode não saber explicar, mas o certo é que ontem a República Portuguesa deitou o precioso timing pela janela fora. Durante estes oito meses, ingenuamente, pensei que o timing do anúncio seria cuidadosamente articulado com Espanha, no mínimo, e de forma que não deixasse dúvidas a ninguém (até a Manuela Ferreira Leite entenderia sem necessidade de se deslocar a Belém). Mas não. É que, no meio de tudo o que não disse e em resposta a tudo o que a Ana Lourenço não lhe perguntou, o Amado ministro lá deixou escapar que de toda a pandilha que ainda não tinha "dado este passo" (reconhecer aos kosovares o direito à independência e a festejá-la com bandeiras da Albânia) Portugal é o único país que não tem nenhum problema interno do género e "não quer criar nenhum problema artificial".

Como diria um amigo meu que é lá daquelas bandas: pushy kurats (o meu amigo escreveria isto como deve ser, em cirílico, mas eu não chego a tanto, fico-me por uma transcrição relativamente fonética).

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7.10.08

Noé ou Noddy?

Peço muitas desculpas não sei bem a quem, mas vou ter de fustigar um spot de rádio*. Já não o faço há muito tempo e este tem-me andado atravessado.

Não, não é aquele da ExpoCasa ou lá o que é, que agora até foi promovido à TV, que diz que "tem coisas giras". Não é esse. É um do Jornal de Notícias (a não ser que seja do Diário do Notícias) (ou do Primeiro de Janeiro), que se destina a divulgar uma colecção de histórias bíblicas destinadas às crianças.

O spot segue o tradicional esquema das duas partes (a que também poderíamos chamar o esquema azeite e vinagre). A primeira parte é publicitária, a segunda é informativa e as duas não se misturam. É um esquema que muitas vezes acaba por ser o único possível, por muitas razões (razões em que, para gáudio geral, me vou abster de entrar).

Antes de a desancar um pouco, faça-se à primeira parte do spot a justiça que merece. Cumpre, no mínimo, o papel de chamar a atenção, se não nunca me lembraria daquilo e não poderia agora passar à zurzidela.

O caso não anda longe de um outro que tive oportunidade de escarafunchar aqui. Diga-se desde já que o Jornal Diário de Janeiro não vai tão longe na estupidez como a SalesForForceFourSearch. Aliás, para um ouvinte medianamente desatento e menos picuinhas do que eu, provavelmente até estará bem conseguido. Diga-se também, já agora, como é o spot: a segunda parte, a do azeite informativo, é a que permite recordar nitidamente que o anunciante é o Jornal Diário de Janeiro (a menos que seja o Comércio do Porto ou o Correio da Manhã) e que o anunciado é a colecção de histórias tiradas da Bíblia para dar às criancinhas.

A primeira parte, a do vinagre publicitário, consiste naquilo que se deduz ser o início da história da Arca de Noé, contada por uma voz feminina, doce e maternal como se impõe nas circunstâncias. O que ouvimos da história é qualquer coisa como: "Era uma vez um senhor chamado Noé que adorava animais". Para o tal ouvinte desatento, tudo bem (presumo eu). Para um desinfeliz como eu, incapaz de se ficar apenas pela forma e abstrair do conteúdo, estamos mal.

Ao contrário do caso da SalesForForceFourSearch, aqui o universo bíblico faz sentido. Não é forçado nem é opção, é o próprio produto. E esse é que é o meu problema. Talvez por acaso, talvez por ignorância, talvez por uma conjugação dos dois factores, o certo é que "adorar animais" era das piores coisas que podiam acontecer na história do Noé. O clímax da história é o Dilúvio, um cataclismo desencadeado por um deus que à época se mostrava particularmente empenhado em afirmar-se como O Deus, não como um mas como o único. Quem leia o Génesis na versão não adaptada às criancinhas do século XXI percebe que a concorrência era numerosa e variada. Entre divindades de todo o tipo e feitio, havia uma propensão para adorar animais que irritava solenemente o Senhor. Foi por essas e por outras, justamente, que Deus decidiu partir para o genocídio.

Não sei se esta versão infantil retrata o clímax da história de outra forma, mas o Dilúvio do Génesis não foi o produto de umas alterações climáticas nem uma tempestade tropical de intensidade inusitada. Foi uma demonstração inequívoca e brutal do poder divino, com o intuito original de extinguir a raça humana. Só à última da hora é que Deus decide salvar alguém e escolhe um tipo qualquer que não ande a adorar os animais nem outros pretensos deuses. O escolhido é Noé, claro. Este, por sua vez, limita-se a fazer o que o Senhor lhe manda. A história não é "ai coitadinhos dos animais que vão morrer todos, que desgraça, já sei, vou fazer uma Arca e salvá-los — pensou o Noé". A história é "escuta bem, Noé, que eu não vou dizer isto duas vezes, fazes uma Arca e metes-te lá dentro sossegadinho com a tua senhora e um casal de animais de cada espécie, se não estamos mal contigo — proferiu o Senhor". Por muito que se adapte, por muito que se actualize o estilo, a história é esta e não outra.

Se eu quisesse incutir valores religiosos a alguma criancinha, gostaria que, do Génesis, ela retirasse pelo menos a ideia de que há um e um só Deus, que O temesse e respeitasse porque Ele é capaz de tudo e de mais um par de botas, e que a única forma aceitável de O adorar é em regime de absoluta exclusividade. Para quem não quer introduzir o tema Religião na educação da canalha ou para quem acredita que os tempos mudaram e a canalha de hoje já não deve ser exposta às overdoses de escatologia e cataclismo do Antigo Testamento, há sempre o Noddy.

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* Claro que posso estar aqui a cometer uma enorme injustiça, no caso de o spot estar contaminado exactamente pelo produto. Mas, mesmo nesse caso, a injustiça será mais aparente do que outra coisa. Não me interessa nada de quem é o erro, do anunciador ou do anunciante, interessa-me o erro em si.

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Mutatis mutandis (mais coisa, menos coisa)

Jogar com uns gajos do Porto, marcar por volta da meia hora da primeira parte e mesmo no fim levar o empate. Eis, resumidamente, a história dos dois jogos mais importantes da 5ª jornada.

O da Liga da Cerveja, por ter tido transmissão em canal aberto, fica ao critério de cada um. Eu vou pelos ensinamentos do velho mestre Trapattoni: da maneira que foi, um ponto é melhor que ponto nenhum. Já o da Liga da Água foi dirigido a um target muito mais seleccionado. Não se tendo estado no José Arcanjo, há que fazer fé na imprensa especializada: o Olhanense teve galo, o Boavista teve caga.

Esta é a pequena beleza do futebol (a grande beleza do futebol é quando o Benfica e o Olhanense ganham, naturalmente): histórias que se resumem nas mesmas palavras podem ser tão diferentes como a cerveja e a água.

2.10.08

Ver ou não ver


Diz no Público que a adaptação ao cinema do Ensaio sobre a Cegueira, de José, o Saramago, está a causar polémica entre os invisuais norte-americanos. Marc Maurer, presidente da respectiva Federação Nacional, entende que a cegueira "não é uma alegoria muito inteligente para falar sobre o colapso da sociedade". Deduzo que não tenha adiantado qual a alegoria inteligente para o fazer (a paralisia, a impotência ou qualquer outra que ocorra também iriam certamente desagradar a alguma Federação análoga).

"O filme retrata as pessoas cegas como monstros e isso é mentira", conclui Marc Maurer enquanto vai preparando um protesto em regra contra o filme. O Público não esclarece sobre a natureza de tal protesto, mas acredito que passe, no mínimo, por conseguir que os invisuais não vejam o filme. Antevejo uma enorme taxa de adesão. Não sei se existe alguma versão inglesa e em braille do Ensaio, mas creio que não seria descabido que Marc Maurer tivesse uma, para poder não a ler.

Claro que Marc Maurer pode ser apenas um instrumento da campanha republicana, destinado a fazer brilhar a senhora Palin. Ou alguém contratado pelo próprio Saramago, só para comprovar a estupidez dos americanos e (alegoricamente) mostrá-la como inerente ao capitalismo. Sabe-se lá.

(Blindness, de Fernando Meirelles, estreia amanhã nos Estados Unidos. Ou não. A ver vamos.)

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Nojo


Finalmente tenho aquilo que muita gente tem no mundo dos afectos futebolísticos. Já tinha, de pequenino, o meu clube adorado. Fui coleccionando muitos outros de estimação, entre os quais um muito especial. Estou a falar, obviamente, do Benfica, do Olhanense e de uma data deles que me são simpáticos.

Claro que também vai havendo uns que não agradam particularmente, como o Febolquelupârto ou o Zbordn. Mas nem desses posso dizer que odeio ou que detesto. Não é verdade. Lamento muito mas não tenho nada de visceralmente contra o Febolquelupârto (não tenho vergonha nenhuma de recordar que até fiquei todo contente quando ganharam a Taça dos Campeões em 87 e também achei uma certa piada quando voltaram a ganhar agora com o Mourinho), e muito menos contra o Zbordn, (a sério, por vezes até chego a achar alguma piada ao Zbordn).

Ocasionalmente, há um ou outro clube que me desagrada durante um tempito, mas depois aquilo passa. Por uma razão ou por outra, foi o caso do Anderlecht, de quase tudo o que é clube italiano, da França, da Grécia, etc. Mas nada que me chegue a revolver as entranhas. Até ontem. Ontem, finalmente, um desses pequenos ódios de estimação desceu definitivamente à categoria de nojo profundo. Finalmente tenho um clube que vou odiar incondicionalmente para o resto da vida. Estou a falar do Barcelona.

Nunca gostei particularmente do Barcelona. Com tantos jogadores fenomenais que tem tido, chegou a haver uma altura ou outra em que até gostava de os ver jogar. Mas o clube, em si, nunca apreciei particularmente. Tudo começa, como em qualquer história, pelo princípio. E o princípio é o verbo, a palavra, o nome. Barcelona. Experimentem dizer isso três vezes seguidas. A única palavra acabada em ona que se pode usar com elegância, num contexto futebolístico, é Maradona. E eles tiveram-no lá. Só que devoram vedetas a um ritmo tal que o Maradona é mais um. Se se quer ver o que é adorar o homem como ele merece tem que se ir a Nápoles (ou à Argentina, naturalmente). Quando se diz Barcelona activam-se as mesmas partes do cérebro e do estômago que se usam para dizer badalhoca e matrafona (e por aqui me fico).

Depois há a questão das cores do equipamento. A conjugação daquele azul e daquele grená, se é que é assim que chamam àquilo, é de uma infelicidade notável. Outras combinações absurdas, como o azul e preto do Inter, chegam a parecer alegres por comparação com aquele empastelamento. Que me lembre, só há mais uma situação em que uma pessoa se depara com uma combinação de cores parecida: é nos sinais de proibição de estacionamento. O que, naturalmente, não traz associações positivas.

Os adeptos é o que se sabe. Uns cagons da pior espécie. Nos jogos fora só pelas cores se conseguiriam distinguir dos do Marítimo ou do Paços de Ferreira, nunca pelo aspecto quantitativo. Se o Desportivo de Chaves vier jogar à Luz o efeito nas bancadas é rigorosamente o mesmo, em termos cromáticos. Nos jogos em casa, onde se juntam mais de 100 mil de cada vez, conseguem o feito verdadeiramente único de impedir que equipas com vários dos melhores jogadores do mundo sejam campeãs de qualquer coisa, o que seria óptimo (para eles) se essas equipas não fossem justamente as deles.

Tudo isto sempre me desagradou no Badalhoca. Os penáltis também. Não há jogo daquela gente em que não se invente pelo menos um penálti a favor e/ou anule um contra. A única comparação possível, nesse aspecto, é com o Brasil. Até contra o pobre do Zbordn inventaram um penálti, não fossem os cento e vinte mil enervar as estrelas todas ao ponto de não conseguirem passar do 1-0 e sujeitarem-se a algum golo do Zbordn, como veio a acontecer.

Os últimos acontecimentos foram a gota d'aigua, a pena a mais que fez quebrar a espinha dorsal do camelo. O triste episódio dos boixos nois não teria sido mais triste do que qualquer outro que envolva os retardados mentais das claques de qualquer clube, não fosse o papel a que se deram os próprios jogadores. Um asco. Ontem, com aquela do não devolver a bola ao Shakhtar e aproveitar para empatar, pude confirmar aquilo de que já suspeitava: o Badalhoca mete-me nojo.

A partir de hoje posso viver o futebol na sua plenitude, tirando de todo e qualquer momento menos feliz do Badalhoca o mesmo prazer que tiro de um bom resultado do Benfica.

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29.9.08

Olhão mete água


Chuvas torrenciais em Olhão, com efeitos especialmente nefastos na Fuzeta e Alfandanga, impediram o Olhanense de se concentrar devidamente na tarefa que tinha em mãos (e pés). Mais preocupados com a segurança e o bem-estar das respectivas famílias e haveres, os moços sucumbiram perante o Varzim. Não sem antes se terem adiantado no marcador, note-se. Ao intervalo, valia o golo de Djalmir. Deve ter sido nessa altura que chegaram ao balneário as inquietantes notícias lá de baixo, envolvendo inundações e consequentes perdas de bens e de sossego. Na segunda parte, Toy arranjou maneira de acumular dois amarelos, provavelmente para poder ir mais rapidamente acudir a alguma situação de emergência, e o Varzim aproveitou-se para dar a volta e fazer 2-1.

Aqui fica o registo, para não dizerem que o Desinfeliz só aborda estes assuntos quando as coisas correm bem. Imaginem que o Olhanense tinha ganho com tudo a seu favor: a jogar em casa, contra o Portimonense, por exemplo, e que só dava 2-0. Em circunstâncias dessas, provavelmente o Desinfeliz nem tocaria no assunto. Nada disso. No Desinfeliz impera o fair-play e não se entra facilmente em euforias de celebração da normalidade.

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24.9.08

Trio reduzido a três

Isto não é nada meu hábito (nem meu nem de ninguém), mas acho que vou dizer bem de qualquer coisa e de alguém que nem sequer conheço. Peço desculpas a todos os desenvolvidos, até porque antevejo que isto pode alongar-se bastante, mas vai ter de ser.

Ontem, o Trio d'Ataque (creio que o apóstrofe não é apócrifo) acabou com uma substituição na posição de pivot. Saíu Carlos Daniel, entrou Hugo Gilberto. Dir-se-ia que foi troca por troca, e foi; que o Hugo Gilberto merece uma oportunidade, e não sou eu que vou dizer o contrário; que isto e que aquilo. Tudo muito certo. Mas nem o Trio d'Ataque é um programa como os outros nem o Carlos Daniel é um pivot como os outros.

Sem desprimor para o Hugo Gilberto, e muito menos para o Miguel Vítor, fiquei com a sensação de que este último tinha acabado de entrar para ocupar o lugar do Mozer ou do Ricardo Gomes. A coisa é a esse nível.

Para mim, o Trio d'Ataque foi durante muito tempo o único programa decente sobre bola. Mais que decente: óptimo. Dir-se-ia que muito do mérito cabe ao trio strictu sensu (Rui Moreira, António-Pedro Vasconcelos, Rui Oliveira e Costa — por ordem de entrada em cena, da esquerda para a direita). Dir-se-ia muito bem, mas não se diria tudo.

Dir-se-ia muito bem, quanto mais não fosse, porque nunca o Benfica tinha estado representado num destes painéis por alguém que não me envergonhasse um pedacito. António-Pedro Vasconcelos está à altura da responsabilidade, e só isso chegaria para elevar o nível de qualquer painel destes. Os três grandes com o único verdadeiramente grande dos três em sub-rendimento não tem grandeza nenhuma. Não vou citar nomes (o único que quero ressalvar é o de Leonor Pinhão, que muito me custa ter de meter no mesmo saco dos outros todos), mas em todos os restantes programas do género de que me lembro o/a representante do Benfica era uma espécie de Moreto ou de Bossio que estava ali mais para ajudar as partes contrárias do que propriamente para defender fosse o que fosse.

Os Ruis, o azul e o verde, por sua vez, conseguem algo de raro nas colectividades que representam, que é não deixar o seu anti-benfiquismo toldar-lhes totalmente o discernimento e falar de bola como as pessoas (não vou ao ponto de dizer que não são anti-benfiquistas, porque não quero ser acusado de incitamento à violência se por alguma razão os Super Dragões ou a Juve Leo vierem aqui e depois coiso).

Mas por muito bem que se tivesse dito isto tudo, não se teria dito tudo sobre isto. Ou seja: os atacantes são bons, porque são, mas só isso não me chega para me explicar o quanto tenho gostado de ver o Trio d'Ataque. O Kempes também era muito bom e o Canniggia não era nada mau, mas a malta lembra-se é da Argentina do Maradona. Os outros dez eram, todos e cada um, óptimos — mas era o Benfica de Eusébio. E o Portugal de Eusébio. A Alemanha do Beckenbauer. A Holanda do Cruyff. O Olhanense de Messi. Não há equipa nenhuma, daquelas que nos enchem, que não contenha um primus inter pares.

No Trio d'Ataque, esse alguém era inegavelmente o Carlos Daniel. Talvez por vivermos na época em que se discute com quantos trincos se deve jogar, ele tem sido o tal pivot dos sonhos de qualquer equipa. Não é ele que vai para as primeiras páginas, mas é ele que vai às dobras. Não marca mas dá a quem dá a marcar. Não é só ele que ganha mas é o único que nunca se perde. E não tem necessariamente que ser discreto ou invisível. Mesmo numa equipa em que brilha um Figo, um Rui Costa e um João Pinto, ele (o Carlos Daniel) é um Paulo Sousa. Até o Pacheco Pereira, se visse um jogo (perdão, um programa), perceberia de que é que eu estou a falar.

No caso concreto do Trio d'Ataque, vou um pouco mais longe. Vou ao ponto de dizer que o trio A-PV-RM-ROC não chega propriamente ao nível de um trio Figo-Rui Costa-João Pinto. Mas quem é que chega a esse nível? Será possível chegar lá, num simples estúdio de televisão, a dizer coisas? Creio bem que não. O trio A-PV-RM-ROC é o melhor possível, tanto no plano individual como em equipa, mas só consegue as exibições e os resultados que consegue porque há ali no meio um CD, esse sim, verdadeiramente genial (não, não há que recear o exagero nos adjectivos; o tema é bola e bola sem exaltação é curling, não é futebol).

O meu ponto é o seguinte: não chego ao absurdo de dizer que o Carlos Daniel conseguia agora pegar no Seara, no Aguiar e no Dias Ferreira e pôr aquilo a funcionar decentemente. O próprio Maradona, se tivesse lá o Fernando Aguiar (perdão, Seara), o Fernando (perdão, Guilherme) Aguiar e o Dias Ferreira (perdão), nunca teria conseguido chegar à final do Itália 90. Há limites para tudo. O meu ponto é que, com outro pivot qualquer, sem a tal qualidade Paulo Sousiana de Carlos Daniel, o trio RM-A-PV-ROC, ao invés de nos chegar a fazer recordar Figo-Rui Costa-João Pinto, poderia facilmente atingir um nível de Rentería-Pesaresi-Purovic.

Posto tudo isto, teremos então os Três Mosqueteiros sem o D'Artagnan, sem o único que daqui a umas dezenas de anos toda a gente recordará como O mosqueteiro. O homem diz que tem mais que fazer, que a RTPN agora não sei o quê e mais qualquer coisa que me escapou. Resta-me reprogramar o cérebro para deixar de evitar não fugir ao Domingo Desportivo, ou seja, lembrar-me de ver aquilo. Três craques não garantem uma boa equipa, ou o Benfica a esta hora já seria quase campeão, mas CD+LFL+JVP tem tudo para poder dar certo, apesar do nome... Domingo Desportivo... não terá ocorrido a ninguém dar outro nome àquilo?

Claro que também continuarei a ver o que se passa no Trio e posso até estar a cometer uma enorme injustiça no que toca ao Miguel Vítor (perdão, Hugo Gilberto). Mas o que é que querem? Deu-me para dizer bem do Humberto Daniel.

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