"Pode ser que sim. Pode ser que não. Não posso garantir." - in Astérix, A Volta à Gália

29.4.08

O Barcelona foi de...


...pandecos. Eh eh eh! I love this game!

28.4.08

Tragam-me o segundo pequeno-almoço, por favor


Foi com esta excelente tirada de humor britânico, livremente adaptada por um desinfeliz português a partir de uma notícia de origem norte-americana traduzida por um brasileiro, que o mexicano Guillermo del Toro confirmou que vai realizar a produção neo-zelandesa d'O Hobbit, do sul-africano J.R.R. Tolkien.

Globalmente (atrevo-me a dizer que poucas vezes o advérbio terá sido aplicado de modo mais adequado) são boas notícias. Boas notícias, no plural, porque o que se anuncia são 2 filmes 2! Como em tudo o que envolve, mais ou menos remotamente, a obra de Tolkien (e mais uma vez me atrevo a sugerir que o advérbio remotamente raramente é utilizado com tanta propriedade), a confusão, a especulação e a multiplicidade de leituras rapidamente se sobrepõem à realidade, isto é, à ficção, isto é, à notícia, isto é, o eu acho e o eu quero sobrepõem-se com a maior das naturalidades (sendo que o complemento determinativo poucas vezes terá sido escolhido com tamanha justeza) ao que se disse ou ao diz que disse.

Os dois filmes serão a história d'O Hobbit propriamente dita e uma prequela d'O Senhor dos Anéis, uma em cada filme, ainda que não necessariamente por esta ordem? Ou será a história d'O Hobbit como prequela d'O Senhor dos Anéis, necessariamente complementada com a matéria relevante d'Os Apêndices, habilmente fundida, como o próprio anel, n'Um único filme que por acaso é dividido em duas partes? Este é apenas um simples exemplo, ainda por cima simplificado (mas, espera-se, não tanto que fique simplório), do tipo de dúvidas que pode levantar aquilo que, finalmente, surge como uma certeza: O Hobbit, relativamente brevemente, numa sala perto de nós.

Confuso/a(s)?*

Óptimo. Dêmo-nos as mãozes e preparemo-nos para dar com os pézes na descrença ou na ignorância do poder das adivinhas no escuro (riddles in the dark, no original — sendo que, neste caso, o original consiste numa tradução de autor do Westron, ou Commmon Speach, para Inglês**).


* O/a estimado/a leitor/a (no singular, sem o (s), porque não é provável que haja alguém que desça a este ponto, quanto mais virem aos magotes) teria razões de sobra para pedir o livro de reclamações, caso essa figura existisse na blogosfera, se agora lhe viessem dizer que aquela conversa toda lá para trás não passava de um artifício, de um truque de que o próprio Bilbo se poderia orgulhar, para o/a trazer aqui, às profundezas das notas de rodapé, com o único intuito de lhe dizer que o Desinfeliz se congratula por ter ajudado a eleger o Tio Aníbal, cujo mostrou mais visão de futuro em dois anos de celebrações do 25 de Abril que o Sampas na vida toda dele, com aquela simplicíssima (preclara lhe chamaria, se quisesse confundir isto um pedacinho) chamada de atenção para a seguinte evidência: para a maior parte dos jovens portugueses, a democracia é grego, não no sentido etimológico, mas no sentido futebolístico do termo — um sistema ultra-fechado, interpretado por uns tipos horrorosos com uns nomes todos iguais e que no fim nos fodem à grande. Creio que o Tio Aníbal se referia (não só, mas também) ao facto iniludível de que as nossas classes política e mediática (jornalistas, analistas, comentadores) têm primado pela opacidade e pela obstrusidade do discurso, que só a vacuidade dos actos tem superado. O Desinfeliz, com esta modesta tentativa de impenetrabilidade discursiva, pretende assim homenagear, à sua maneira, o Tio Aníbal, a Abrilada, os Capitães da dita e a própria da Democracia.

** Mais confuso/a ainda? Tente apurar a função de 'naturalidades' na frase ligeiramente acima do dragãozinho (sem recorrer ao Mestre Carlos Rocha, ou a puerilidades do género 'é um substantivo', ou 'é um advérbio', ou 'caguei') e vai ver o que é bom.

23.4.08

Middle-earth Day

“Long they laboured in the regions of Eä, which are vast beyond the thought of Elves and Men, until in the time appointed was made Arda...” (J.R.R. Tolkien, Valaquenta)

Para os menos iniciados, vamos por partes até chegarmos à Terra-média (suponho que seja assim que se escreve em Português, pelo menos enquanto não vem o aborto ortográfico e passa a Bilubilu ou coisa que o valha).


Primeira parte (começando pelo fim, que é sempre o mais apetecido): Valaquenta. Que é lá isso? Dando de barato que até os não-iniciados sabem que J.R.R. Tolkien é o autor d'O Senhor dos Anéis, bastará dizer que Valaquenta é o nome do segundo capítulo de outro livro do mesmo autor (edição póstuma, do filho Christopher), que dá pelo nome de Silmarillion. Em algum não-iniciado insistindo muito, eu terei todo o prazer em discorrer um pouco sobre o Silmarillion, que é o meu Tolkien preferido. Em insistindo um pouco mais, o não-iniciado ganhará um conselho inteiramente grátis: leia o livro (talvez com o cuidado prévio de ler O Senhor dos Anéis antes, só para ganhar um pouco de balanço).

Segunda parte: . Eä? Ai ai ai que isto agora começa a complicar-se, dirá o não-iniciado. Ui ui ui que isto começa a complicar-se deliciosamente, digo eu. Para não ofender demasiadamente os não-não-iniciados com demasiadas explicações óbvias (afinal de contas não queremos ser nenhum Vitorino), bastará dizer que o tal Silmarillion é a modos que uma mitologia da Terra-média, que começa muito no género do Génesis (este Génesis, para os não-letrados-de-todo, é o primeiro livro da Bíblia, sendo que livro é o que se costuma chamar aos capítulos da Bíblia, que por sua vez é um livro ainda mais vendido que O Senhor dos Anéis e que nem sequer é muito pior). Voltando à base: Eä não é mais que o nome que Tolkien dá ao universo, criado por um deus todo-poderoso. Ilúvatar, esse deus, O deus único*, cria o universo, a partir do nada, dizendo a palavra 'Eä!', que se poderá traduzir por 'Seja!' ou 'Sê!'.

Terceira parte: Arda. Para quem chegou até aqui na relativa posse das suas faculdades, esta é fácil. Sendo Eä o Universo, o Todo, Arda é o Mundo, o planeta habitado pelos povos e pelas personagens que os não-completamente-não-iniciados conhecem d'O Senhor dos Anéis. Quando Ilúvatar, por interpostas divindades menores, concebeu este Mundo, Arda, fê-lo para que duas raças que tinha em mente vir a criar, por isso apelidadas os Filhos de Ilúvatar (os Elfos e os Homens), tivessem onde habitar. Simples, não? Suponha o estimado leitor não-iniciado que é um deus todo-poderoso. Suponha também, já agora, que para além de si próprio não existe rigorosamente mais nada nem mais ninguém, pela única e exclusiva razão de que o estimado leitor não-iniciado, talvez não suficientemente compenetrado do seu novo papel de deus todo-poderoso, ainda não criou coisíssima nenhuma. O que é que o estimado leitor não-iniciado faria numa circunstância dessas? Dir-me-á que não sabe. Mas, qual António Vitorino, aposto consigo em como, mais dia menos dia, mais milhão de anos menos milhão de anos, o Estimado (se me permite abreviar assim) acabará inevitavelmente por fazer qualquer coisa, seja o que for. Que sentido faz um Estimado todo-poderoso que tudo pode e nada faz? Sentido nenhum. Ora, em fazendo seja o que for, o Estimado acabou de criar um tudo, por contraposição ao nada que até aí existia (sem desprimor para o Estimado, que para além de todo-poderoso é pré-existente, mas que se nada fizer para todo o sempre ficará, também para todo o sempre, um Estimado completamente anónimo e deslocado, para não lhe chamar inútil e calão, que não são coisas que se chamem a um Estimado). Suponha agora o Estimado, para terminar o parágrafo e passarmos então à Terra-média, que, ao fazer a tal primeira coisa, a que estamos a chamar Tudo por uma questão de simplificação, o Estimado se deixa levar pelo entusiasmo e desata a criar mais isto e mais aquilo. Para além de estar a lançar as raízes mais profundas da expressão 'tudo e mais alguma coisa', o Estimado estará a enriquecer com pormenores o tal universo que criou no início. Basta que, no meio desses pormenores, o Estimado conceda a uma determinada espécie o dom de falar e de criar para que, mais cedo ou mais tarde, essa espécie se ponha a dar nomes às coisas. E, como diria o António Vitorino, aposto que as criaturas irão chamar Universo ou Eä ou coisa do género ao tal Tudo e Arda ou Mundo ou Terra ou Earth ou assim ao cantinho onde o Estimado decidir instalá-las.

Quarta e última parte (eia! eia!): a Terra-média. Supondo que o estimado (agora de novo com minúscula, se não se importa, acabou-se a fantasia de o estimado ser um deus todo-poderoso, lamento muito), supondo então que o estimado leitor não-iniciado acompanhou estes chamemos-lhe raciocínios até aqui, não vou insultar a sua inteligência insinuando que o estimado ainda não deduziu que, sendo Eä o Universo e Arda o Mundo, a Terra-média há-de ser uma espécie de continente desse mundo. E não é que é mesmo? É difícil esconder seja o que for ao estimado! Omnisciente, o estimado, quase me atreveria a dizer.

Posto tudo isto, resta apenas saber o essencial: a que diabos vem esta conversa toda sobre a Terra-média e demais tolkienices? Pura e dura mania de ser do contra, estimado. Ontem era Dia da Terra no Google, era Dia da Terra no YouTube, era Dia da Terra em todo o lado. Aguentei-me, malhei um nadinha no Vitorino só para não enferrujar e mantive-me sossegadito em relação ao Dia da Terra, para não ofender ninguém. Mas hoje já não é Dia da Terra, graças ao Estimado (chamemos-lhe assim, pelo menos até ao fim do texto, se o estimado não se importa). A protecção da porcaria do planeta virou religião nos piores sentidos do termo. Entre um fundamentalista islâmico, um fundamentalista cristão, um fundamentalista judeu e um fundamentalista ambiental, venha o Estimado, ou o seu pior inimigo, e escolha. Eu não sou capaz.

- - -

* Ilúvatar é também referenciado como Eru, mas isso é o tipo de coisa que não ajuda a credibilizar A Obra junto dos não-iniciados, tal como o pormenor de que o marido da Galadriel, que acabou por ficar conhecido por Celeborn (se lhe der para ler isto em voz alta é favor pronunciar Kéléborn), nos primeiros rascunhos surgia com o algo duvidoso e muito pouco élfico nome de Teleporno.

22.4.08

Vitorino ao vivo

Confesso que o António Vitorino me causa frenicoques. Aquele arzinho de Himmler simpático e aquela refinadíssima técnica de exposição do óbvio como se estivesse a revelar o segredo da receita da Coca-Cola nunca deixam de me provocar náuseas. Quando o homem aparece em dupla com a inenarrável Judite de Sousa, o masoquista que há em mim prefere encharcar-se de compensans e ver aquilo a tomar a elementar medida de mudar para o Panda ou para o Eurosport. Nós, os humanos, somos assim, vá lá perceber-se porquê.

Diria que, até ontem, nunca ouvi nada na conversa do Vitorino que me surpreendesse mais do que aquele estranhíssimo defeito da fala de que a Judite de Sousa parece ter a patente ou uso exclusivo, que consiste em trocar os érres pelos dês. É um número que me há-de fascinar sempre como se fosse a primeira vez, talvez porque nunca o vi executado por mais ninguém. Se me perguntarem dez minutos depois o que é que a mulher lhe perguntou ou o que é que o homem respondeu, garanto que não faço a mínima ideia. Ou melhor, até faço, não por me recordar mas porque qualquer um já sabe antecipadamente o que aqueles dois vão dizer, sejam quais forem as circunstâncias.

Tanto ele como ela são exemplares apurados de uma raça que sempre me desagradou particularmente: o marrão. Ela especializou-se na arte de nunca deixar nenhuma pergunta óbvia por fazer, ele na de dizer tudo o que possa não interessar a ninguém. Ela com aquele ar perscrutante, ele naquela pose mais nonchalant. Ambos exímios na arte de seguir, sem se desviarem um milímetro, o guião que estudaram exaustivamente, mantendo sempre uma aparência de espontaneidade. O imprevisto e o improviso devem ser o terror desta gente.

Ontem, não faço ideia porquê (mas não posso impedir-me de imaginar que é qualquer coisa na Judite de Sousa que lhe afecta as hormonas), o António Vitorino deixou escapar um indício da sua vida interior (sim, eu estou a admitir e a defender a tese de que o António Vitorino tem vida interior). Visivelmente entusiasmado com a crise no PSD, Vitorino não se conteve e revelou que já tinha apostado com vários amigos que o Menezes não chegava às eleições.

Como sinal de vida interior é fascinante, não? O Vitorino aposta (vá-se lá saber quanto, ou o quê) com pessoas (é bom nem tentar imaginar que tipo de pessoas) sobre estas coisas. Como exercício de análise política, vaticinar que o Menezes não chega às legislativas é do mais básico que há, e básico é coisa que o Vitorino não é (ou não quer parecer, o que vai a dar no mesmo, atendendo a que consegue não parecer). Mas daí a apostar, vai outra conversa. Vai uma aposta que o Jardim não acaba o mandato sem ir à tromba de alguém? Cem euros na Maria de Lurdes Rodrigues até ao Natal? Aposto quanto tu quiseres que a Carmelinda Pereira não depila os sovacos. E quanto vai uma aposta que o motorista do Cavaco é Testemunha de Jeová? Queres apostar que se o Sócrates me convidar para um cargo eu recuso, a não ser que me interesse aceitar? Dois euros em como a Ferreira Leite vem de saia-casaco. Aposto que o meu tacho é maior que o teu. A ver quem mija mais longe? Dez euros em como o Ribau nunca vai chegar a Presidente da República. Dez não, cem, que eu hoje estou maluco...

Nunca tive grandes dúvidas a este respeito, mas ontem tive a confirmação plena: gente como o Vitorino vibra genuinamente com as intrigas de corredor. O que o excita (para além, possivelmente, da Judite de Sousa) não é o eventual benefício para o PS da crise do PSD, é a crise em si. Porque, como já se provou várias vezes, o benefício do PS lhe é totalmente indiferente e porque, como qualquer marrão que se preze, o que realmente o motiva é mostrar que sabia e o que menos lhe interessa é a matéria em si.

- - -

Apostei comigo próprio que ia resistir à tentação de fazer graçolas sobre as características físicas do Vitorino. E vou ganhar a aposta. Basta não acrescentar que o Vitorino é um altíssimo expoente da baixa política. Oh! Perdi...

15.4.08

5 Anos de Tradução Simultânea

Altered Images - Happy Birthday (1981)

Parabéns e what not, old blogger.

11.4.08

Pó que m'avia de dar

Há meia dúzia de posts atrás, criticando um pormenor de um anúncio, afirmei que não era meu hábito criticar anúncios. A esse post seguiu-se imediatamente outro, em que critiquei outro aspecto do mesmo anúncio. Agora vou dizer mal de outro anúncio.

Será que estou a mudar de hábitos? Na minha idade? Não me parece. A explicação mais simples é quase sempre a melhor e, neste caso, a explicação mais simples é que não se me ocorre mais nada e também não me apetece não postar. Postarei, pois.

E o anúncio é... aquele que apanho e que me apanha a mim na TSF. Categoria Spot de Rádio, portanto. Uma categoria onde a luta pela inanidade é renhida, mas na qual, mesmo assim, há sempre quem se consiga destacar. E o anúncio é... aquele da Sales Force Search (se é que é assim que se escreve) que reza assim:

Se no tempo de Jesus Cristo nós já existíssemos Judas nunca teria sido apóstolo.

Esta é a catch-line (esta agora talvez fosse escusada, mas se um homem que é do métier não mete um estrangeirismo de vez em quando ainda se arrisca a ver o seu know-how questionado) que, diga-se, cumpre bem uma das suas funções essenciais: chamar a atenção do estimado ouvinte. Não fora isso e seria apenas mais um entre tantos, sem qualquer hipótese de vir parar ao Desinfeliz, que, como é sabido, não tem por hábito criticar anúncios.

Outra função que a citada catch-line cumpre razoavelmente bem é a de introduzir o tema. Não se limita a chamar a atenção, não é um efeito super-especial ou uma anedota gratuita, o que, em termos de economia narrativa, é muito vantajoso. Porque, no caso do espaço publicitário, a economia narrativa traduz-se directamente em economia de pequenas pipas de euros. Ou seja: as anedotas gratuitas e os efeitos super-especiais não têm mal nenhum em si, são é uma forma mais cara de chamar a atenção. Introduzindo o verdadeiro tema (não lhe vou chamar o reason why para não exagerar nos estrangeirismos e porque, hélas, em rigor não é de reason why que se trata) ao mesmo tempo que chama a atenção dos desinfelizes que pastam na 2ª Circular a caminho dos empregos, a invocação de Jesus Cristo e dos apóstolos não é publicitariamente vã.

Por esta altura é natural que o estimado leitor vocifere baixinho: quando é que este gajo se deixa de oxímoros forçados e merdas e começa, finalmente, a dizer mal do anúncio? É já. É agora.

Vamos dar de barato a questão geral do uso da religião para fins publicitários (eu dou a questão de barato; o estimado leitor, em querendo pronunciar-se por escrito, é ir aqui abaixo ao pé do lapinhos e ajuntar o seu comentário). Se o anúncio fosse bom, no sentido de ter uma boa ideia ou no sentido de explorar muito bem uma ideia qualquer, boa ou má, aplicava-se-lhe a Lei de José, o Alfredo, e prontos, ficava perdoado e abençoado. Lamento, mas não é o caso.

Ao escolher Judas como exemplo de alguém que não passaria no crivo da Sales Force Search, alguém se esqueceu de um pequeno pormenor: quem escolheu Judas como apóstolo foi o próprio Jesus Cristo. A outra única interpretação possível é ainda mais radical: Deus-pai escolheu Judas como apóstolo do Filho. A inferência lógica é que, se o Senhor tivesse tido a elementar prudência de ter feito com que a SFS existisse na época e lhe tivesse adjudicado a tarefa de recrutar os apóstolos, os lamentáveis acontecimentos que culminaram na Cruz e na Ressurreição não se teriam dado. Em confiando tão difícil tarefa à Sales Force Search, e não ao próprio Pai, Jesus poderia ter continuado a pregar e a profetizar tranquilamente durante mais uns anos e teria evitado o fiasco em que acabou por cair. Jesus e o Pai, em boa verdade, eram uns otários. A Sales Force Search é que sabe.

Claro que os senhores da Sales Force Search podem ter achado que ninguém ia levar a sério a sua comparação (não os aconselho a seguir a mesma estratégia de comunicação em países islâmicos, mas quem sou eu para dar conselhos). Só que, mesmo num país de brandos costumes e de católicos não-praticantes, seja lá isso o que for, corre-se sempre o risco de desagradar profundamente a alguém quando se escolhe a religião como assunto de conversa sem ter a mínima noção do que se vai dizer. E esse alguém pode ser o putativo cliente (para não lhe chamar target, coitado) e não apenas um Desinfeliz que nem baptizado é e que vem para aqui escrever coisas.

E se o Tio Adolfo invadisse o inferno

"If Hitler invaded hell, I should at least make a favourable reference to the Devil in the House of Commons."

Churchill dixit, claro. Who else?

O homem estava do lado de lá das atlânticas águas, a tentar convencer o Tio Sam a entrar finalmente na festa e a dar uma ajuda ao Ti Zé, o dos Bigodes, que tinha acabado de levar com o Tio Adolfo. Ou seja: a Alemanha tinha entrado pela União Soviética adentro e a Grã-Bretanha estava cada vez mais sozinha a dar luta ao Eixo do Mal. Ou o homem conseguia convencer os Estados Unidos a deixarem-se de neutralidades ou a história acabava certamente mal, e provavelmente depressa.

Nos Estados Unidos, ajudar os comunas não era propriamente uma ideia fácil de engolir. Daí a imagem do inferno, para que até um americano entendesse aquilo que, na altura, parecia que só mesmo os ingleses estavam a entender e só mesmo Churchill era capaz de explicar:

"We have but one aim and one single irrevocable purpose. We are resolved to destroy Hitler and every vestige of the Nazi régime. It follows that we shall give whatever help we can to Russia and the Russian people."


Há situações assim, em que as coisas são como são. Ou são brancas ou são pretas. Situações em que os cinzentos não se aplicam. O que nem sempre aparece, nessas situações, são homens capazes de ver o óbvio e fazer unicamente o que tem que ser feito, contra tudo e contra todos. Contra os cinzentos, especialmente.

9.4.08

Abruptos bons dias




O incrível país da minha tia,
trémulo de bondade e de aletria.


* * *

A noiva já de noiva, a noiva na igreja
e tu não encontras os atacadores!


* * *

Com o hálito
já desfiz alguns bailes
Afinal seria bem fácil
dominar o mundo


(Com o devido reconhecimento ao Pacheco, o Pereira, pela inspiração, e vénia ao Alexandre, o Grande, o O'Neill, pela transpiração)

7.4.08

Dúvidas sobre o acordo ortográfico (4)

Se a forma de pronúncia da maioria dos falantes é a referência, deverei passar a escrever 'salchicha'?

Dúvidas sobre o acordo ortográfico (3)

Se as consoantes mudas caem porque não se lêem, a palavra 'ato', até aqui grafada como 'acto', deve passar a pronunciar-se com o 'a' fechado, como em 'atoarda'?

Dúvidas sobre o acordo ortográfico (2)

Se o acordo entrar em vigor a Optimus passa a Otimus?

Dúvidas sobre o acordo ortográfico (1)

Se, de acordo com o acordo, a pronúncia passa a valer como fonte de grafia, o pessoal do Porto vai passar a escreber campeõ em vez de campeão?

4.4.08

Hámais erros


Alguém me chamou a atenção para a existência de mais um erro no headline do tal outdoor do dinossauro. Por acaso o alguém fui eu próprio e o erro na realidade são dois, mas iguais, ou seja, é um só erro que aparece duas vezes. Fique registado que havia muitas razões para deixar passar este, e de momento nem sequer me ocorre nenhuma para o apontar. Mas agora já não dá para meter marcha-atrás.

O erro encontra-se e volta a encontrar-se logo na primeira linha, antes de chegar à frase já anteriormente dissecada:

Grandes demais, pesados demais.


Não é nada degrave, claro, mas o certinho direitinho seria:

Demasiado grandes, demasiado pesados.

Ou talvez:

Grandes de mais, pesados de mais.

Sem querer elevar escusadamente o nível da conversa, o facto é que demais é um advérbio que significa além disso, os/as restantes, e não demasiado, em excesso, ou à ganância, como coloquialmente dizemos, mercê de descontraídas influências brasileiras (cara, cê é demais, poderá estar algum leitor a pensar neste preciso instante, ofuscado com tamanha sapiência, argúcia e mesmo sacanagem, pois não me canso de repetir que esta do demais é completamente de somenos, para não lhe chamar pintelhice, que é o que é).

Acabo de me lembrar de uma razão para estar aqui a chibar-me de mais este erro (perfeitamente inofensivo, como talvez já tenha insinuado): não me parece que o nível de linguagem pretendido, não por mim mas por quem escreveu o headline, seja o coloquial. Ou seja: os erros que a gente damos voluntáriamente não contam (talvez até se pudesse chamar a isto a Lei de José, o Alfredo). Se, derivado ao efeito que se pretende de atingir, a malta damos erros, azarucho. Ou será qué azaruxo? Não mimporta. A liberdade de expressão pode e deve incluir o direito ao erro. Se esperam que eu passe a escrever incorretamente em vez de escrever como deve ser, se querem que eu abdique da correcção só para ficar bem com o aborto orográfico, desenganem-se. Se querem acentos no i do video, não contem comigo. Dossiers sem érre e com acento circunflexo, eu? Nada disso. Eu, como qualquer gajo normal, também gosto de dar o meu errito. Mas errar involuntariamente, por humano que seja, não dá prazer nenhum. A Lei de José, o Alfredo, considera que a prevaricação, em sendo deliberada e consciente, está mais do que desculpada e é um direito inalienável.

Ufa tela eco ando uzê ruscapam çem crer, ia té xegam adificoltar eis trema menta leituraspe soas. Içé quéfo dido.

3.4.08

Us dinoçaurus e us carrus


Anda por aí um outdoor (tecnicamente o outdoor está parado, nós é que andamos, a pé ou de carro, e passamos por ele, mas dá mais jeito dizer que anda por aí um outdoor) da Smart, com um dinossauro, uma boa ideia, um headline e um erro no headline.

Não é nada meu costume vir para a praça pública, ou mesmo para este beco privado, falar de publicidade. E muito menos para apontar defeitos. Questão de ética? Questão de ser otário? Não sei nem me interessa por aí além. Seja lá pelo que for, não costumo. E quando dou por mim a fazê-lo, seja lá pelo que for, é sempre em casos em que o erro é o menos. Como este, do dinossauro. Repito: tem uma boa ideia, o que para mim é o melhor que se pode dizer da publicidade. E acrescento: o erro que tem no headline é de somenos. Mas está lá. Só o aponto porque é um erro que se está a generalizar de forma impressionante. E o erro é:

Não admira que se tenham extinto.


O correcto seria:

Não admira que se tenham extinguido.

Outra possibilidade seria:

Não admira que estejam extintos.

Este erro, que como digo se está a generalizar à brava, afecta vários outros verbos. Não sei porquê, a consciência colectiva dos portugueses entrou numa fase de negação de certas formas verbais. Estou em crer que na origem desta perturbação está o eclipse da diferença entre ser, ter e estar, verbos que têm a irritante mania de se meter com os outros.

Nos meus tempos de miúdo, dizia-se a propósito ou despropósito sabe-se lá do quê: morto, morrido, matado. Ficava muito mal, e ainda hoje fica, dizer que Fulano está morrido. É possível que exista na canalha, nas suas primeiras fases de exploração da língua portuguesa, uma propensão para julgar que a vida é simples e que a conjugação do verbo morrer, que é sem dúvida um dos mais interessantes para qualquer criança minimamente saudável, segue as mesmas linhas de outros verbos mais usados lá em casa, mas certamente muito menos apelativos, como dormir, cozer, coser, lavar, ler, estudar, agradecer...

Ora o morrer, tal como o extinguir e outros que agora não vêm ao caso, é daquela raça de verbos mais retorcidinhos, mais erráticos, mais dependentes das competências do falante do que a maior parte dos portugueses parece actualmente disposta a admitir no seu quotidiano. São verbos camaleónicos, ou empáticos, que se moldam à presença nas suas imediações de um dos tais outros verbos que a maior parte dos portugueses, por sua vontade, fundiria num só: o ser, o ter e o estar (os verbos-de-bengala, a que também há quem chame auxiliares).

A ver se a gente se entende, com uns quantos exemplos. Por uma questão de comodidade, para não lhe chamar preguiça mental, vamos usar o verbo morrer e o substantivo dinossauro. Estes exemplos terão uma grande desvantagem: o verbo morrer nem sempre dá conta do serviço, por vezes temos de recorrer ao matar. Se não fosse assim não haveria literatura policial nem CSI, e tanto uma como outro existem, por isso é mesmo assim. Note-se também que essa confusão entre morrer e matar, que parece impossível quando vemos a coisa assim, no infinitivo ou lá o que é isto, facilmente se instala quando se lida com os passados pretéritos mais que imperfeitos e essas porras todas.

Por outro lado, os exemplos que vou dar têm a grande vantagem de todos os dinossauros já terem morrido... e pronto, eis que sem querer já dei um exemplo. Desculpem. Queria eu dizer, antes de dar qualquer exemplo, que os exemplos que vou dar têm a grande vantagem de todos os dinossauros já estarem mortos... Ooops, lá escapou outro. Malditos exemplos! Se soubesse que isto ia ser assim com os dinossauros tinha-os matado a todos antes de eles terem morrido para ter a certeza que eles ficavam mesmo mortos! Acabarem-se os exemplos! Tou farto!

Tanto quanto me é dado perceber, o verbo extinguir é ainda mais simples (até porque é só um, não há cá as confusões do morrer e do matar, extingue-se ou é-se extinguido e pronto, está extinto, fica extinto e não se fala mais nisso): os dodos, para não estarmos sempre a malhar nos desgraçados dos dinossauros, estão extintos e presume-se que continuarão extintos porque foram distinguidos com a honra de terem sido uma das primeiras espécies a ser alvo de caça pelo Homo Aparentemente Sapiens até à extinção, ou seja, estão extintos porque foram extinguidos.

Já quanto aos dinossauros, embora se apliquem as mesmas regras gramaticais, a história é completamente diferente: os dinossauros estão extintos, não porque foram extinguidos pelo homem, mas porque tudo indica que levaram com um extintor gigante de origem alienígena na tola.

1.4.08

O Estado militantemente português


D. Jorge Ortiga, que surpreendeu todos os analistas e corretores de apostas ao ser reeleito para novo mandato como presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, diz que o Estado português não pode ser militantemente ateu.

Claro que um prelado, ainda para mais bispo e presidente reeleito da Conferência Episcopal, tem todo o direito, para já não dizer o dever, de viver num mundo outro, de prestar mais atenção às coisas do céu do que às de cá da terra. Mas se é com o Estado português que D. Jorge vai ter de gramar para ter a Concordata devidamente regulamentada, talvez não fosse mau que D. Jorge conhecesse o bicho que tem pela frente.

Se a cidade de Havana, disposta a dar a uma praça na zona histórica o nome de Camões, espera por um busto do poeta prometido há nove anos pelo Instituto Camões; se o meu sogro esperou trinta e pico anos para ter a estação de metro que estava prometida quando comprou a sua casa no Lumiar; se os julgamentos que restam do Apito Dourado ainda mal começaram e do da Casa Pia já ninguém sequer se lembra; se ainda há indemnizações e pagamentos por conta da Reforma Agrária; se os pais do miúdo que morreu electrocutado por um semáforo esperaram anos e anos a fio que o Estado português lhes dissesse que tivessem paciência; se a Joana e a Maddie não aparecem...

Se isto tudo é assim, quando não é pior, por que cargas de água é que o Estado português havia de se despachar a tratar da Concordata? D. Jorge Ortiga engana-se. O Estado português não é ateu, é zen.