"Pode ser que sim. Pode ser que não. Não posso garantir." - in Astérix, A Volta à Gália

9.3.07

Pérolas Vermelhas (X)



"Dzhh! Dzhh! Dzhh..." Terão sido estas as últimas palavras de Estaline, na sequência de um badagaio de índole cardíaca que o deixou prostrado durante horas sem que ninguém se atrevesse sequer a ir ver o que é que se passava.

Quando, passadas essas horas, alguém sentiu o medo de não ir ver sobrepor-se ao medo de ir ver, o que viu foi o Ti Zé no chão, em pijama bastante urinado, contorcendo-se a custo e dizendo, apenas, "Dzzhh! Dzhh...". Seguiram-se mais uma carrada de horas, durante as quais o círculo mais próximo do Grande e Estrebuchante Líder procurava decidir o que fazer, para além de pegar no Ti Zé e deitá-lo no sofá da sala onde se encontrava.

Aquilo que noutras circunstâncias e com outras pessoas seria uma acção automática — chamar um médico — foi um dilema muito difícil de ultrapassar. Naquela altura, estava em curso uma purga sistemática da classe médica. Os médicos reconhecidamente mais competentes estavam acusados, presos, degredados e por aí fora. E todos eles, pelo facto de serem médicos, estavam sob suspeita. Havia um certo receio entre os potentados de que o Ti Zé, a reagir, reagisse mal ao simples facto de ver um médico por perto.

Entre todas as versões possíveis e imaginárias, do envenenamento à passividade propositada, a que surge como mais plausível da leitura do Montefiore* é talvez a mais simples e a mais terrível: medo. Medo de Estaline, ainda que visivelmente nas últimas, medo uns dos outros, medo puro, desmedido e entranhado.

The End - Koniec - Dzhh

* Relembro que todas estas pérolas são retiradas de Estaline, A Corte do Czar Vermelho, de Simon Sebag Montefiore.

1 comment:

Anonymous said...

Medo... vá-se lá perceber porquê... Com tanta malta atadinha, até somos levados a concordar que o Zé dos Bigodes até tinha as suas razões para fazer tantas purgas.