"Pode ser que sim. Pode ser que não. Não posso garantir." - in Astérix, A Volta à Gália

24.10.07

A Sombra da Catedral dos Hussardos de Cabul

Mais por acaso que por outra razão qualquer andei ultimamente a ler umas quantas obras de autores espanhóis, coisa que habitualmente não fazia muito (também por razão nenhuma em particular, apenas porque não calhava). A conclusão a que vou chegando é que, pelo menos para este efeito, os ustédes são como as outras pessoas: uns melhores e outros piores, com uma maioria de assim-assins pelo meio.

A minha amostra é tão absolutamente aleatória que deve ter um alto valor científico. A avaliação baseia-se no mesmo número de obras por autor (uma, concretamente). O único género testado foi o romance. Comecei pelo Pérez-Reverte e estou a acabar no Montalbán, tendo entretanto passado pelo Falcones e pelo Zafón. Note-se que esta familiaridade (o Falcones para cá e o Zafón para lá) é a posteriori; até agora só sabia da existência dos outros dois, o Reverte e o Montalbán, e nunca tinha lido nada de nenhum.

O primeiro que se me atravessou no caminho foi O Hussardo, de Arturo Pérez-Reverte. Não fora o caso de ter ouvido uma entrevista do Arturo, em que só lhe faltou negar peremptoriamente a autoria deste livro, e nunca mais iria ler nada deste ustéd. É daqueles que só se lê até ao fim porque é mesmo pequenino. Nem sequer chega a ser mau, é só de uma inutilidade total. Bem espremidinho, talvez desse um capítulo interessante para um livro como deve ser. Adiante.



Seguiu-se A Catedral do Mar, de Ildefonso Falcones. Este sim. De longe o melhor dos quatro. E o maior também, que é uma coisa que me agrada nos livros que me agradam. Aquilo dá voltas e voltas e mais voltas, sem nunca chegar a enrolar-se irremediavelmente. Notável. A única decepção que me causou foi, pouco tempo depois, ver ao vivo a dita Catedral (mais conhecida localmente por Basílica). Nunca tinha ido a Barcelona e, à conta do Falcones, não descansei enquanto não fui lá meter o bedelho. Quem tenha lido ou venha a ler a coisa há-de concordar que o mínimo que se espera é que as pedras tenham uns três metros de largo por dois de altura e um de fundo. Vai-se a ver e são umas pedritas banalíssimas. Nada que tire beleza à Basílica (nem ao livro).



(Atenção agora: contém spoilers)

Sem sair de Barcelona, passei para A Sombra do Vento, de Carlos Ruiz Zafón. Este intrigou-me particularmente. Que vendeu não sei quantos milhões de exemplares em meia hora, que ganhou os prémios todos e mais alguns, que isto e aquilo e mais o outro... Esqueçam isso tudo. Façam como eu devia ter feito: vejam a foto da capa, que não é má de todo, atentem um bocadinho no título e sigam o instinto que vos diz que alguém capaz de escrever um livro de jeito também seria capaz de lhe arranjar um nome em condições. A Sombra do Vento... Sinceramente. Uma coisa tem que se reconhecer ao Zafón: com um título destes ninguém pode dizer que foi ao engano. A Sombra do Vento. Sem falar em tudo o resto, que é igualmente mau, confesso que fiquei siderado com o truque de ele e ela, os apaixonados até à morte, serem irmãos e não saberem. Julgava que havia uma espécie de acordo tácito entre escritores e leitores para não se voltar a usar esse número fora do domínio das telenovelas. O embuste é de tal ordem que lá para o fim, quando o narrador-protagonista diz que morreu daí a sete dias, a gente já nem se admira. Aliás, até dá algum sentido a tudo o resto, na medida em que dificilmente se podia exigir a um morto que escrevesse como deve ser. Claro que no finzinho mesmo o gajo afinal não morreu. Infelizmente, diga-se. Sempre seria uma pequena consolação para os desinfelizes de juízo que lêem aquela porcaria toda.



Finalmente, eis-me chegado ao famoso Montalbán, Manuel Vásquez. Tendo sobrevivido tão recentemente ao Zafón, não quis abusar da sorte e a páginas 50 já o pus de lado. Bacoco, bazaroco, fraquinho fraquinho, mau, muito mau, péssimo, possidónio, presunçoso, pindérico, apalermado: a dificuldade está em sintetizar tudo o que se poderia e deveria dizer sobre Rumo a Cabul (cuido que seja este o nome do livro, porque aquilo vem adornado com Milénio I e Série Pepe Carvalho, para além dos habituais nomes do autor e da editora). Pode ser só azar meu, porque tanto quanto me é dado perceber o homem escreveu uns quinhentos livros, trezentos dos quais com este Pepe Carvalho (mais um caso para seguir os instintos básicos: Pepe Carvalho...), podendo este ser apenas um dos poucos que enfim, coitadinho...

Conclusões e moral das histórias: pelo seguro, acho que me vou manter tão longe do Montalbán como do Zafón; vou dar uma segunda oportunidade ao Reverte; se me aparecer mais alguma coisa do Falcones marcha imediatamente, na plena consciência de que poderá não estar à altura da Catedral; 50% dos romances espanhóis não valem um calamar; na dúvida, como em quase tudo, é de evitar aqueles de que mais se fala. E olé.

5 comments:

Anonymous said...

De Espanha, nem bom vento, nem bom casamento... e pelos vistos, nem bom entretenimento, no que à leitura diz respeito. Eu, que nunca senti o chamamento dos escritores espanhóis, manter-me-ei afastado de nuestros hermanos escribas, tendo consciência que algumas coisas boas estarei a perder, mas outros autores estão na fila, por isso... e valha-nos um desinfeliz de juízo que, à laia de resumo da sua desinfeliz epopeia literária castelhana, ainda nos faz dar uma gargalhadas com a “Sombra do Vento”.

José, o Alfredo said...

Aquela gente pelos vistos é mais para pintar que para escrever.

Anonymous said...

Também é gente para beber copos, comer umas tapas e pilotar, carros ou motas, mas nas pistas, já que nas estradas...

Anonymous said...

Com tantos bons bifes para devorar, vais-te meter com paellas, tás à espera de quê?

Anonymous said...

Oh varela olha que lá os bifes também são bons e as paellas ainda melhores ;) ... ainda estás a remoer o Hamilton? (risada).