"Pode ser que sim. Pode ser que não. Não posso garantir." - in Astérix, A Volta à Gália
29.3.06
Línguas moribundas
Não são só os pandas, os bacalhaus, os sapos ibéricos e os morcegos da Moldávia que correm perigo de extinção. Muitas línguas estão na mesma situação, ou pior. Pinker chama-lhes línguas moribundas (moribund languages, para ser mais preciso) e Michael Krauss calculava que fossem umas 3 mil em todo o mundo. Isto em 1994, o que deixa pressupor que umas quantas já lá vão.
Para quem estranhe a exorbitância do número, convém esclarecer que Pinker não vai em distinções entre línguas e dialectos. Ou melhor, reduz a diferença à seguinte fórmula: uma língua é um dialecto que dispõe de um exército e de uma marinha.
Krauss, linguista a quem o grande Pinker parece reconhecer autoridade na matéria, estimava nos tais idos de 94 que se encontravam nessa aflição: 150 línguas índias norte-americanas (80% das existentes); 40 no Alasca e na Sibéria (90% das existentes); 160 na América Central e do Sul (23%); 45 na Rússia (70%); 225 na Austrália (90%)... As tais 3000 correspondem a cerca de 50% das existentes em todo o mundo. Apenas umas 600 se podem considerar razoavelmente a salvo, graças a uma massa crítica mínima de falantes (parece que os mínimos olímpicos estão em 100 mil, mas mesmo esse valor não garante a sobrevivência, nem mesmo a curto prazo). Resumindo e baralhando, a ideia que fica é que 90% das línguas faladas no planeta (3600 a 5400) estão ameaçadas de extinção neste século.
Os sintomas são muito fáceis de detectar. Quem perpetua as línguas são as crianças que as aprendem. Quando um linguista esbarra numa língua que só é falada por adultos, esse linguista sabe que acaba de esbarrar numa língua condenada.
As causas, como se poderia supor, são diversas. As línguas desaparecem pela destruição dos habitats dos seus falantes, pelo genocídio, pela assimilação forçada, pela educação assimiladora (se é que é assimiladora que se diz), pela submersão demográfica e pelo bombardeamento mediático, que o nosso velho Krauss não hesita em qualificar de "cultural nerve gas".
A terapia, quando aplicável e desejável (o que não é sempre), passa pela produção de material pedagógico, literatura e televisão na língua enferma. A extinção pode ser prevenida ou mitigada se se preservarem as gramáticas, os léxicos, textos e gravações de discurso oral. O caso do Hebraico, em pleno século XX, mostra que, em havendo vontade, o uso continuado (o teimuso, diria eu) em contextos cerimoniais, conjugado com a preservação de documentos, pode ser suficiente para fazer ressuscitar uma língua.
Ninguém melhor que Ken Hale (outro linguista, citado por Pinker e re-citado e traduzido por José, o Alfredo) para acabar com a conversa, que já vai mais longa que a proverbial língua da sogra: a perda de uma língua é parte da perda mais geral que o mundo sofre, a perda da diversidade em todas as coisas.
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