"Pode ser que sim. Pode ser que não. Não posso garantir." - in Astérix, A Volta à Gália

20.3.06

Eu quero as minhas verdadezinhas de volta!


Este sujeito, que dá pelo nome de Steven Pinker, ameaça deitar por terra uma quantidade de verdades feitas na minha cabeça. E porquê? Porque este sujeito Pinker escreveu um livro. Ou melhor, porque um amigo me emprestou um livro escrito por este sujeito Pinker. De facto, aos amigos e aos livros, há que saber escolhê-los e/ou mantê-los à distância. É uma gente tramada.

O dito livro intitula-se The Language Instinct e, desde sexta-feira, não tem feito outra coisa que não torpedear sistematicamente algumas daquelas verdades que nunca nos ocorreu questionar... Repararam como, espero que com alguma elegância e subtileza, a primeira pessoa do singular deu lugar à do plural? Isto sou eu a desculpar-me, airosamente, com o velho argumento do OK eu poderei ter sido um bocadinho estúpido mas não fomos todos?

Não. Há que encarar isto de frente. O facto é que, até anteontem por esta hora, eu andava por aí convencidinho de que os esquimós tinham uma carrada de palavras diferentes (100? 200? 432?) para designar diferentes géneros de neve. E vem este Pinker e que não. Que têm tantas, ou tão poucas, como os ingleses. Pior. É preciso um Pinker para eu perceber por que é que, na realidade, isso é totalmente indiferente, irrelevante, imaterial, inconclusivo... Não é por não ser verdade. Como tantos outros mitos ou lendas, urbanas ou não, como qualquer reles boato, há ali uma certa dose de veracidade, uma miscelânea de aparato e lógica da batata que não custa nada a engolir. Não sei quem disse que era verdade (a mim, pessoalmente, não foi nenhum esquimó... mas lá está outra das características do bom boato, a indeterminação da fonte), agora vem o Pinker e diz que não é verdade. Mas o Pinker acrescenta algo de muito mais interessante: é que, mesmo que fosse verdade, o ponto que parecia subjacente é que está em causa. E o ponto é a velha questão do cultural versus inato, do aprendido versus instintivo.

Mais um excelente exemplo de Pinker: se os miúdos são tão dados a imitar os pais como se diz e como geralmente se aceita, porque é que não ficam sentadinhos e quietinhos nos lugares deles num avião, ou num restaurante, que é o que faz a esmagadora maioria dos paizinhos? Decididamente, não há como não dar alguma atenção a este Pinker.

3 comments:

L. Rodrigues said...

Os primeiros posts do Designorado não devem pouco à minha leitura de "How the Mind Works", do dito píncaro...

L. Rodrigues said...

Mas agora me lembro de que ele fazia a observação de que para falar de neve, a lingua esquimó é preferivel ao swahili. Suponho que não haja contradição, aí...

José, o Alfredo said...

Sem dúvida. Eu diria que o maior risco que se corre é o de a língua esquimó já conter em si, ou no seu uso, demasiadas verdades feitas sobre esse assunto, enquanto o swahili (tomando a língua pelo falante) teria a vantagem de um observador mais distante e mais fascinado pelo desconhecido. Mas não sei se Pinker irá por aí...

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