"Pode ser que sim. Pode ser que não. Não posso garantir." - in Astérix, A Volta à Gália

3.4.08

Us dinoçaurus e us carrus


Anda por aí um outdoor (tecnicamente o outdoor está parado, nós é que andamos, a pé ou de carro, e passamos por ele, mas dá mais jeito dizer que anda por aí um outdoor) da Smart, com um dinossauro, uma boa ideia, um headline e um erro no headline.

Não é nada meu costume vir para a praça pública, ou mesmo para este beco privado, falar de publicidade. E muito menos para apontar defeitos. Questão de ética? Questão de ser otário? Não sei nem me interessa por aí além. Seja lá pelo que for, não costumo. E quando dou por mim a fazê-lo, seja lá pelo que for, é sempre em casos em que o erro é o menos. Como este, do dinossauro. Repito: tem uma boa ideia, o que para mim é o melhor que se pode dizer da publicidade. E acrescento: o erro que tem no headline é de somenos. Mas está lá. Só o aponto porque é um erro que se está a generalizar de forma impressionante. E o erro é:

Não admira que se tenham extinto.


O correcto seria:

Não admira que se tenham extinguido.

Outra possibilidade seria:

Não admira que estejam extintos.

Este erro, que como digo se está a generalizar à brava, afecta vários outros verbos. Não sei porquê, a consciência colectiva dos portugueses entrou numa fase de negação de certas formas verbais. Estou em crer que na origem desta perturbação está o eclipse da diferença entre ser, ter e estar, verbos que têm a irritante mania de se meter com os outros.

Nos meus tempos de miúdo, dizia-se a propósito ou despropósito sabe-se lá do quê: morto, morrido, matado. Ficava muito mal, e ainda hoje fica, dizer que Fulano está morrido. É possível que exista na canalha, nas suas primeiras fases de exploração da língua portuguesa, uma propensão para julgar que a vida é simples e que a conjugação do verbo morrer, que é sem dúvida um dos mais interessantes para qualquer criança minimamente saudável, segue as mesmas linhas de outros verbos mais usados lá em casa, mas certamente muito menos apelativos, como dormir, cozer, coser, lavar, ler, estudar, agradecer...

Ora o morrer, tal como o extinguir e outros que agora não vêm ao caso, é daquela raça de verbos mais retorcidinhos, mais erráticos, mais dependentes das competências do falante do que a maior parte dos portugueses parece actualmente disposta a admitir no seu quotidiano. São verbos camaleónicos, ou empáticos, que se moldam à presença nas suas imediações de um dos tais outros verbos que a maior parte dos portugueses, por sua vontade, fundiria num só: o ser, o ter e o estar (os verbos-de-bengala, a que também há quem chame auxiliares).

A ver se a gente se entende, com uns quantos exemplos. Por uma questão de comodidade, para não lhe chamar preguiça mental, vamos usar o verbo morrer e o substantivo dinossauro. Estes exemplos terão uma grande desvantagem: o verbo morrer nem sempre dá conta do serviço, por vezes temos de recorrer ao matar. Se não fosse assim não haveria literatura policial nem CSI, e tanto uma como outro existem, por isso é mesmo assim. Note-se também que essa confusão entre morrer e matar, que parece impossível quando vemos a coisa assim, no infinitivo ou lá o que é isto, facilmente se instala quando se lida com os passados pretéritos mais que imperfeitos e essas porras todas.

Por outro lado, os exemplos que vou dar têm a grande vantagem de todos os dinossauros já terem morrido... e pronto, eis que sem querer já dei um exemplo. Desculpem. Queria eu dizer, antes de dar qualquer exemplo, que os exemplos que vou dar têm a grande vantagem de todos os dinossauros já estarem mortos... Ooops, lá escapou outro. Malditos exemplos! Se soubesse que isto ia ser assim com os dinossauros tinha-os matado a todos antes de eles terem morrido para ter a certeza que eles ficavam mesmo mortos! Acabarem-se os exemplos! Tou farto!

Tanto quanto me é dado perceber, o verbo extinguir é ainda mais simples (até porque é só um, não há cá as confusões do morrer e do matar, extingue-se ou é-se extinguido e pronto, está extinto, fica extinto e não se fala mais nisso): os dodos, para não estarmos sempre a malhar nos desgraçados dos dinossauros, estão extintos e presume-se que continuarão extintos porque foram distinguidos com a honra de terem sido uma das primeiras espécies a ser alvo de caça pelo Homo Aparentemente Sapiens até à extinção, ou seja, estão extintos porque foram extinguidos.

Já quanto aos dinossauros, embora se apliquem as mesmas regras gramaticais, a história é completamente diferente: os dinossauros estão extintos, não porque foram extinguidos pelo homem, mas porque tudo indica que levaram com um extintor gigante de origem alienígena na tola.

5 comments:

CPrice said...

extinto o riso que me provocou ao lê-lo, que não se extinga este sentido de fino humor ;)

José, o Alfredo said...

Muito obriguido!

Anonymous said...

Ainda não vi o outdoor que anda por aí, mas se no visual está apenas um animal pré-histórico (será que está bem escrito?), mesmo que no texto se faça uma alusão aos tais bichos no plural (que eu iria achar estranho porque se trata de um outdoor, i.e., não aconselha a "levar" muito texto), até se podia dizer no singular... ou não? Não admira que se tenha extinto... ou extinguido? Lá estou eu a desconversar, pá...

José, o Alfredo said...

Completamente a desconversar, ó Mike. O singular e o plural não são para aqui chamados. O outdoor não deve ter muitas posições, nos meus trajectos diários só vejo um ou dois, mas é como dizes: um bicharoco, no singular, e um headline que se refere aos bicharocos no plural (mas isso não tem nada de errado). Seja um ou todos, o que não admira é que se tenha ou tenham distinguido ou extinguido, e não distinto ou extinto. Digo eu...

Anonymous said...

Assim não dá... é demasiado pesado para a minha camioneta. Ou será demasiado grande?