"Pode ser que sim. Pode ser que não. Não posso garantir." - in Astérix, A Volta à Gália

11.4.08

Pó que m'avia de dar

Há meia dúzia de posts atrás, criticando um pormenor de um anúncio, afirmei que não era meu hábito criticar anúncios. A esse post seguiu-se imediatamente outro, em que critiquei outro aspecto do mesmo anúncio. Agora vou dizer mal de outro anúncio.

Será que estou a mudar de hábitos? Na minha idade? Não me parece. A explicação mais simples é quase sempre a melhor e, neste caso, a explicação mais simples é que não se me ocorre mais nada e também não me apetece não postar. Postarei, pois.

E o anúncio é... aquele que apanho e que me apanha a mim na TSF. Categoria Spot de Rádio, portanto. Uma categoria onde a luta pela inanidade é renhida, mas na qual, mesmo assim, há sempre quem se consiga destacar. E o anúncio é... aquele da Sales Force Search (se é que é assim que se escreve) que reza assim:

Se no tempo de Jesus Cristo nós já existíssemos Judas nunca teria sido apóstolo.

Esta é a catch-line (esta agora talvez fosse escusada, mas se um homem que é do métier não mete um estrangeirismo de vez em quando ainda se arrisca a ver o seu know-how questionado) que, diga-se, cumpre bem uma das suas funções essenciais: chamar a atenção do estimado ouvinte. Não fora isso e seria apenas mais um entre tantos, sem qualquer hipótese de vir parar ao Desinfeliz, que, como é sabido, não tem por hábito criticar anúncios.

Outra função que a citada catch-line cumpre razoavelmente bem é a de introduzir o tema. Não se limita a chamar a atenção, não é um efeito super-especial ou uma anedota gratuita, o que, em termos de economia narrativa, é muito vantajoso. Porque, no caso do espaço publicitário, a economia narrativa traduz-se directamente em economia de pequenas pipas de euros. Ou seja: as anedotas gratuitas e os efeitos super-especiais não têm mal nenhum em si, são é uma forma mais cara de chamar a atenção. Introduzindo o verdadeiro tema (não lhe vou chamar o reason why para não exagerar nos estrangeirismos e porque, hélas, em rigor não é de reason why que se trata) ao mesmo tempo que chama a atenção dos desinfelizes que pastam na 2ª Circular a caminho dos empregos, a invocação de Jesus Cristo e dos apóstolos não é publicitariamente vã.

Por esta altura é natural que o estimado leitor vocifere baixinho: quando é que este gajo se deixa de oxímoros forçados e merdas e começa, finalmente, a dizer mal do anúncio? É já. É agora.

Vamos dar de barato a questão geral do uso da religião para fins publicitários (eu dou a questão de barato; o estimado leitor, em querendo pronunciar-se por escrito, é ir aqui abaixo ao pé do lapinhos e ajuntar o seu comentário). Se o anúncio fosse bom, no sentido de ter uma boa ideia ou no sentido de explorar muito bem uma ideia qualquer, boa ou má, aplicava-se-lhe a Lei de José, o Alfredo, e prontos, ficava perdoado e abençoado. Lamento, mas não é o caso.

Ao escolher Judas como exemplo de alguém que não passaria no crivo da Sales Force Search, alguém se esqueceu de um pequeno pormenor: quem escolheu Judas como apóstolo foi o próprio Jesus Cristo. A outra única interpretação possível é ainda mais radical: Deus-pai escolheu Judas como apóstolo do Filho. A inferência lógica é que, se o Senhor tivesse tido a elementar prudência de ter feito com que a SFS existisse na época e lhe tivesse adjudicado a tarefa de recrutar os apóstolos, os lamentáveis acontecimentos que culminaram na Cruz e na Ressurreição não se teriam dado. Em confiando tão difícil tarefa à Sales Force Search, e não ao próprio Pai, Jesus poderia ter continuado a pregar e a profetizar tranquilamente durante mais uns anos e teria evitado o fiasco em que acabou por cair. Jesus e o Pai, em boa verdade, eram uns otários. A Sales Force Search é que sabe.

Claro que os senhores da Sales Force Search podem ter achado que ninguém ia levar a sério a sua comparação (não os aconselho a seguir a mesma estratégia de comunicação em países islâmicos, mas quem sou eu para dar conselhos). Só que, mesmo num país de brandos costumes e de católicos não-praticantes, seja lá isso o que for, corre-se sempre o risco de desagradar profundamente a alguém quando se escolhe a religião como assunto de conversa sem ter a mínima noção do que se vai dizer. E esse alguém pode ser o putativo cliente (para não lhe chamar target, coitado) e não apenas um Desinfeliz que nem baptizado é e que vem para aqui escrever coisas.

2 comments:

Anonymous said...

Irra, pó qu'avia de te dar... logo tu que nem baptizado és... e não sou eu que digo... e pó qu'avia de lhes dar, aos gajos que criaram o dito anúncio, p'a não falar dos que aprovaram...

CPrice said...

coisinha idiota .. foi como apelidei a abordagem dos Head Hunters visados.
Argumentação de peso esta sua aqui escrita .. com um pouco de sorte arrisca-se a ser convidado para colocar algum senso na questão ;)