Confesso que o António Vitorino me causa frenicoques. Aquele arzinho de Himmler simpático e aquela refinadíssima técnica de exposição do óbvio como se estivesse a revelar o segredo da receita da Coca-Cola nunca deixam de me provocar náuseas. Quando o homem aparece em dupla com a inenarrável Judite de Sousa, o masoquista que há em mim prefere encharcar-se de compensans e ver aquilo a tomar a elementar medida de mudar para o Panda ou para o Eurosport. Nós, os humanos, somos assim, vá lá perceber-se porquê.
Diria que, até ontem, nunca ouvi nada na conversa do Vitorino que me surpreendesse mais do que aquele estranhíssimo defeito da fala de que a Judite de Sousa parece ter a patente ou uso exclusivo, que consiste em trocar os érres pelos dês. É um número que me há-de fascinar sempre como se fosse a primeira vez, talvez porque nunca o vi executado por mais ninguém. Se me perguntarem dez minutos depois o que é que a mulher lhe perguntou ou o que é que o homem respondeu, garanto que não faço a mínima ideia. Ou melhor, até faço, não por me recordar mas porque qualquer um já sabe antecipadamente o que aqueles dois vão dizer, sejam quais forem as circunstâncias.
Tanto ele como ela são exemplares apurados de uma raça que sempre me desagradou particularmente: o marrão. Ela especializou-se na arte de nunca deixar nenhuma pergunta óbvia por fazer, ele na de dizer tudo o que possa não interessar a ninguém. Ela com aquele ar perscrutante, ele naquela pose mais nonchalant. Ambos exímios na arte de seguir, sem se desviarem um milímetro, o guião que estudaram exaustivamente, mantendo sempre uma aparência de espontaneidade. O imprevisto e o improviso devem ser o terror desta gente.
Ontem, não faço ideia porquê (mas não posso impedir-me de imaginar que é qualquer coisa na Judite de Sousa que lhe afecta as hormonas), o António Vitorino deixou escapar um indício da sua vida interior (sim, eu estou a admitir e a defender a tese de que o António Vitorino tem vida interior). Visivelmente entusiasmado com a crise no PSD, Vitorino não se conteve e revelou que já tinha apostado com vários amigos que o Menezes não chegava às eleições.
Como sinal de vida interior é fascinante, não? O Vitorino aposta (vá-se lá saber quanto, ou o quê) com pessoas (é bom nem tentar imaginar que tipo de pessoas) sobre estas coisas. Como exercício de análise política, vaticinar que o Menezes não chega às legislativas é do mais básico que há, e básico é coisa que o Vitorino não é (ou não quer parecer, o que vai a dar no mesmo, atendendo a que consegue não parecer). Mas daí a apostar, vai outra conversa. Vai uma aposta que o Jardim não acaba o mandato sem ir à tromba de alguém? Cem euros na Maria de Lurdes Rodrigues até ao Natal? Aposto quanto tu quiseres que a Carmelinda Pereira não depila os sovacos. E quanto vai uma aposta que o motorista do Cavaco é Testemunha de Jeová? Queres apostar que se o Sócrates me convidar para um cargo eu recuso, a não ser que me interesse aceitar? Dois euros em como a Ferreira Leite vem de saia-casaco. Aposto que o meu tacho é maior que o teu. A ver quem mija mais longe? Dez euros em como o Ribau nunca vai chegar a Presidente da República. Dez não, cem, que eu hoje estou maluco...
Nunca tive grandes dúvidas a este respeito, mas ontem tive a confirmação plena: gente como o Vitorino vibra genuinamente com as intrigas de corredor. O que o excita (para além, possivelmente, da Judite de Sousa) não é o eventual benefício para o PS da crise do PSD, é a crise em si. Porque, como já se provou várias vezes, o benefício do PS lhe é totalmente indiferente e porque, como qualquer marrão que se preze, o que realmente o motiva é mostrar que sabia e o que menos lhe interessa é a matéria em si.
- - -
Apostei comigo próprio que ia resistir à tentação de fazer graçolas sobre as características físicas do Vitorino. E vou ganhar a aposta. Basta não acrescentar que o Vitorino é um altíssimo expoente da baixa política. Oh! Perdi...
"Pode ser que sim. Pode ser que não. Não posso garantir." - in Astérix, A Volta à Gália
22.4.08
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4 comments:
resta saber o que apostou .. e como lhe cobrará a aposta esse seu outro "eu" .. para mim desde que não seja pedindo-lhe de empréstimo este fantástico e acutilante humor já fico descansada.
Quando comecei a ler este post pensei "vai uma aposta que isto vai ser rir de princípio ao fim?". Arrependi-me de não ter apostado para aí uns cem euros. Era comigo msmo, eu sei, mas sempre dava um certo gozo passá-los de uma mão para a outra. Vai uma aposta que o Scolari vai treinar o Benfica? ;)
Safa, essa agora é que corta qualquer vontade de rir. Ainda por cima o grau de probabilidade começa a ser assustadoramente elevado. Antes o Chalana ou mesmo o Vitorino...
Ambos não percebem de futebol mas o Vitorino pelo menos punha os jornalistas a dormir na conferência de imprensa... o pior eram as palestras antes dos jogos... Um grande clube como o Benfica merece um grande treinador como o Scolari. Vai uma aposta que não estás de acordo? sobre a grandeza do treinador, claro!
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