"Pode ser que sim. Pode ser que não. Não posso garantir." - in Astérix, A Volta à Gália

14.10.08

Injecção de pesporrência


Alguém, sem ser este desinfeliz, viu ontem o Prós e Contras? Pois.

De José, o Manuel, não vou falar. Não me apetece. E mesmo que me apetecesse não haveria nada para dizer.

Já os quatro cavaleiros da banca, ali juntinhos, têm que se lhes diga. Claro que não é a Fátima Campos Ferreira que os vai pôr a dizer seja o que for que não lhes apeteça (se bem que o Ulrich esteve lá quase, tamanha era a carga de nervos que a mulher lhe estava a meter; e como eu o compreendo). A postura de Estado, quando não é de enfado, sai-lhes quase com naturalidade. Vamos lá, os quatro, e só com a Nossa Presença vamos dar ao povo um Sinal. Sinal de quê? Da Nossa Presença. Muito bem, malta, é isso. Vamos lá. E lá foram.

Ao contrário de todas e de cada uma das emissões anteriores do Prós e Contras, nesta não se ouviam sequer as moscas na plateia. O realizador de vez em quando mostrava que sim, que havia gente ali, mas não era a maralha do costume. Era gente séria, respeitável e, acima de tudo, respeitadora. Duvido que tenha sido preciso pôr aquela tropa a assinar algum papelinho. Um erguer de sobrancelha e um dilatar de pupila por parte de uma qualquer daquelas eminências seria mais que suficiente para os reduzir a todos ao silêncio.

A Presença dos quatro potentados, amplamente apregoada em todos os canais da RTP, era o que o programa tinha para oferecer. Alguém esperava, sinceramente, que a solenidade e a gravidade da Presença fosse perturbada por gente a fazer perguntas ou a contrapor opiniões? É possível que isso até tenha passado na cabeça de algum elemento mais contumaz da produção. Tenho a nítida sensação de ter visto, entre os escudeiros e lacaios dos quatro potentados, um ou outro director de publicação da área económica. Talvez esses tenham sido obrigados a assinar o papelinho. Ou não. Não posso garantir.

Seja como for, a cerimónia decorreu sem quaisquer imprevistos. A liturgia perfeita. Fátima Campos Ferreira, imune às evidências, consegue convencer-se a si própria de que está a desempenhar o seu papel de espremer até sair sumo. Com isso, consegue provavelmente convencer também uma boa parte da audiência. Pelos vistos as pessoas gostam que as pessoas as convençam de coisas, desde que fique bem claro que elas, as pessoas, não estão lá muito convencidas de coisa nenhuma.

Em termos de pesporrência pura, não houve rival para Santos Ferreira. O homus millennium é assim ou é o Santos Ferreira que é assim? Um pouquinho de cada, provavelmente. Mas numa altura destas? Numa cerimónia daquelas? Não tenho dúvidas de que, em querendo, o Ulrich, o Salgado, mesmo o Faria, serão perfeitamente capazes de produzir níveis invejáveis de pesporrência. Mas ontem acharam, e bem, que os tempos e a cerimónia pediam outra postura.

Resta saber o que é que se passou para o Santos Ferreira ficar tão isolado na sua demonstração de pesporrência. Será por ganhar mais que os outros? Será por ganhar menos que os outros? Será que tiraram todos à sorte e calhou-lhe a ele fazer aquela figura, para dar um pouco mais de credibilidade ao programa? É que a credulidade do povo também há-de ter os seus limites, e estes provavelmente não incluem quatro potentados da banca aparecerem no mesmo dia e à mesma hora sem sinais ostensivos de pesporrência. Ou será uma manobra concertada da restante banca contra o BCP? Há que estar atento.

Mais incómoda ainda do que a pesporrência é a sabujice, quanto mais não seja porque aquela se alimenta desta. Sabujice da RTP, que impinge aquela Presença sob a capa do Prós e Contras (Conversa em Famílias talvez fosse uma designação mais apropriada para aquele formato). Sabujice da maralha-premium que se presta àquele papel de ir encher a plateia sem levantar um dedinho que seja (a não ser, eventualmente, para tirar algum macaco do nariz). Sabujice das audiências, que não dão mostras de se incomodar com estas coisas.

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4 comments:

CPrice said...

"Mais incómoda ainda do que a pesporrência é a sabujice" .. não para todos infelizmente .. há quem tenha curso, aprimore e pratique esta técnica com efeitos devastadores em credos alheios.

Eu não vi .. mas gostei de o ler. Mais do que do programa se o tivesse visto, quase que aposto.

José, o Alfredo said...

Estas coisas nem mesmo once in a while. Never in a lifetime é a periodicidade certa.

CPrice said...

(belo trocadilho)

Anonymous said...

Quatro cavaleiros do apocalipse. Nem os macacos mais afoitos se quiseram mostrar, quanto mais dedos no ar. Serviço público ou sabujice pública?