Nem tudo é igual a tudo o resto. Ou seja: nem tudo é indiferente. Ou seja: nem sempre se pode ser neutro. Ou seja: às vezes há que tomar partido. Onde é que eu quero chegar com tudo isto? Ao Médio Oriente. A uma das razões pelas quais sou a favor de um dos lados, e não neutro ou a favor do outro. Essa razão tem uma forma e um conteúdo, a que damos os nomes de democracia e tolerância, respectivamente.
Vem tudo isto a propósito ou despropósito de uma parada de orgulho gay, realizada em Jerusalém. Eu sou do lado do país que — sob ameaça de acções terroristas da Jihad Islâmica, sob uma barragem diária de rockets dirigidos pelo Hamas a uma pequena cidade no Negev*, sob a explícita ameaça iraniana de o apagar da face do planeta num futuro próximo e de até lá apoiar todas as milícias que lhe façam guerra — destaca 8 mil polícias (quase metade dos que tem no activo) para proteger o desfile de um grupo minoritário que é sistematicamente atacado e denegrido por duas das maiores e mais estridentes comunidades da cidade santa: os ultra-Ortodoxos judeus e os Palestinianos.
Sou do lado do país que reconhece que tem uma comunidade gay, a qual por sua vez envidou todos os esforços para garantir que a parada teria lugar longe dos bairros ultra-Ortodoxos e de outras zonas onde facilmente pudesse causar ofensa aos residentes.
Sou do lado do país que tem polícias que fazem frente aos estudantes ultra-Ortodoxos que, aos gritos de "Nazis! Nazis! Nazis!", lhes atiram pedras, garrafas e cocktails molotov, para além de partirem janelas e semáforos e de incendiarem pneus e contentores de lixo.
Sou do lado do país em que os rabis ultra-Ortodoxos, entre os quais os mestres desses estudantes, apesar de chocados pela parada e por aquilo que consideram uma abominação (a homossexualidade), proibiram inequivocamente e em público os seus discípulos de tomarem parte em manifestações violentas.
Sou do lado do país que despreza e reconhece como ridículas as atoardas dirigidas à parada, como "os Nazis deviam ter acabado convosco".
Sou do lado do país que tem um polícia que, quando lhe perguntam o que é aquela bandeira com as cores do arco-íris, responde: "Há rapazes que amam rapazes, e raparigas que amam raparigas".
Sou do lado do país em que a muito influente rádio do exército dá voz à opinião da filha do primeiro-ministro, segundo a qual o direito de manifestação dos gays e das lésbicas é tão legítimo e inalienável como o seu direito de voto.
Sou do lado do país cujo/a ex-representante (e vencedor/a) no Eurofestival, um/a transsexual, defendeu numa entrevista que, por respeito pelo carácter sagrado da cidade, a parada não se deveria realizar em Jerusalém.
Sou do lado do país cuja televisão pública dá tempo de antena a um rabi para que este explique a sua forte oposição à parada e pergunte à entrevistadora o que faria se o seu filho lhe viesse dizer que era gay (ao que a entrevistadora respondeu que o abraçaria e lhe agradeceria pela franqueza).
A parada do orgulho gay em Jerusalém prova a mais poderosa e a mais eficaz das forças de Israel: a capacidade de israelitas muito diferentes viverem uns com os outros e com as suas diferenças.**
* A pequena cidade do Negev chama-se Sderot e já serviu de alvo a 7694 rockets (o Nuno Rogeiro chamar-lhes-ia mísseis Qassam).
** Todo o conteúdo deste post foi descaradamente picado do Haaretz.
"Pode ser que sim. Pode ser que não. Não posso garantir." - in Astérix, A Volta à Gália
17.3.08
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10 comments:
Gostei bastante de ler. E confesso a minha parcialidade. Também sou do lado do mesmo país (mas isso o meu caro amigo já sabia).
Very well done, sir. É altura de acabar com o mito da palestina mártir e reconhecer que Israel é a única Nação que é um estado de direito no Médio Oriente e a única que partilha minimamente o conceito civilizacional de dignidade humana. Um conceito ocidental? Ah pois é. Mas os relativismos culturais que se fodam.
Substituiria apenas a palavra «tolerãncia» (que odeio) por «respeito».
vou linkar-te. Boa Páscoa!
passei aqui hoje pela primeira vez, e vou linkar.
Muito bom este texto, e já agora eu tb sou do lado desse País.
também já linkei
Muito bom texto. Também sou do lado do povo que fez um jardim de uma nesga de deserto e que nos deu o Einstein, o Elie Wiesel e o Woody Allen. Mas adoro as paradas gay.
Também sou do lado desse país. cristina
«Very well done, sir. É altura de acabar com o mito da palestina mártir e reconhecer que Israel é a única Nação que é um estado de direito no Médio Oriente e a única que partilha minimamente o conceito civilizacional de dignidade humana. Um conceito ocidental?»
Caríssimo,
... esqueça. Depois de ler umas coisas, se voltar, pudemos discutir. Até lá, vou exercer para consigo a boa da "tolerância".
Obrigado aos novos visitantes pela visita e pelos comentários (incluindo até este último anónimo, assaz críptico e vagamente ameaçador... algum jihadista com dificuldades no português, possivelmente). Obrigado ao meu amigo major pela linkagem e subsequente afluxo de novos visitantes. Estive quase quase a substituir a tolerância pelo respeito, que é realmente um conceito muito mais positivo. No último momento apercebi-me de que, infelizmente, era mesmo tolerância que eu queria dizer. Sendo um sentimento muito menos nobre que o respeito, é muito mais frequente e exige muito mais auto-contenção. "Detesto aqueles cabrões, apetecia-me mesmo era dar-lhes umas chapadas, proibí-los, exterminá-los... mas vou-me controlar" — isto é, mais coisa menos coisa, o que vai na cabeça do tolerante. Quem respeita merece toda a nossa admiração no plano moral, mas não tem que fazer esforço nenhum para não dar umas lambadas; quem tolera merece alguma admiração no plano ético, porque não dá as lambadas que lhe apetece dar. Ou seja: enquanto não chegamos ao desejável (o respeito), ao menos que haja o possível (a tolerância).
agradavelmente surpreendida pela posta dou-lhe, acima de tudo, os parabéns pela franqueza deste seu comentário.
sabe bem receber estes parabéns. obrigado e continue a voltar, once in a while.
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