"Pode ser que sim. Pode ser que não. Não posso garantir." - in Astérix, A Volta à Gália

17.3.08

Uns e os outros

Nem tudo é igual a tudo o resto. Ou seja: nem tudo é indiferente. Ou seja: nem sempre se pode ser neutro. Ou seja: às vezes há que tomar partido. Onde é que eu quero chegar com tudo isto? Ao Médio Oriente. A uma das razões pelas quais sou a favor de um dos lados, e não neutro ou a favor do outro. Essa razão tem uma forma e um conteúdo, a que damos os nomes de democracia e tolerância, respectivamente.

Vem tudo isto a propósito ou despropósito de uma parada de orgulho gay, realizada em Jerusalém. Eu sou do lado do país que — sob ameaça de acções terroristas da Jihad Islâmica, sob uma barragem diária de rockets dirigidos pelo Hamas a uma pequena cidade no Negev*, sob a explícita ameaça iraniana de o apagar da face do planeta num futuro próximo e de até lá apoiar todas as milícias que lhe façam guerra — destaca 8 mil polícias (quase metade dos que tem no activo) para proteger o desfile de um grupo minoritário que é sistematicamente atacado e denegrido por duas das maiores e mais estridentes comunidades da cidade santa: os ultra-Ortodoxos judeus e os Palestinianos.

Sou do lado do país que reconhece que tem uma comunidade gay, a qual por sua vez envidou todos os esforços para garantir que a parada teria lugar longe dos bairros ultra-Ortodoxos e de outras zonas onde facilmente pudesse causar ofensa aos residentes.

Sou do lado do país que tem polícias que fazem frente aos estudantes ultra-Ortodoxos que, aos gritos de "Nazis! Nazis! Nazis!", lhes atiram pedras, garrafas e cocktails molotov, para além de partirem janelas e semáforos e de incendiarem pneus e contentores de lixo.

Sou do lado do país em que os rabis ultra-Ortodoxos, entre os quais os mestres desses estudantes, apesar de chocados pela parada e por aquilo que consideram uma abominação (a homossexualidade), proibiram inequivocamente e em público os seus discípulos de tomarem parte em manifestações violentas.

Sou do lado do país que despreza e reconhece como ridículas as atoardas dirigidas à parada, como "os Nazis deviam ter acabado convosco".

Sou do lado do país que tem um polícia que, quando lhe perguntam o que é aquela bandeira com as cores do arco-íris, responde: "Há rapazes que amam rapazes, e raparigas que amam raparigas".

Sou do lado do país em que a muito influente rádio do exército dá voz à opinião da filha do primeiro-ministro, segundo a qual o direito de manifestação dos gays e das lésbicas é tão legítimo e inalienável como o seu direito de voto.

Sou do lado do país cujo/a ex-representante (e vencedor/a) no Eurofestival, um/a transsexual, defendeu numa entrevista que, por respeito pelo carácter sagrado da cidade, a parada não se deveria realizar em Jerusalém.

Sou do lado do país cuja televisão pública dá tempo de antena a um rabi para que este explique a sua forte oposição à parada e pergunte à entrevistadora o que faria se o seu filho lhe viesse dizer que era gay (ao que a entrevistadora respondeu que o abraçaria e lhe agradeceria pela franqueza).

A parada do orgulho gay em Jerusalém prova a mais poderosa e a mais eficaz das forças de Israel: a capacidade de israelitas muito diferentes viverem uns com os outros e com as suas diferenças.**


* A pequena cidade do Negev chama-se Sderot e já serviu de alvo a 7694 rockets (o Nuno Rogeiro chamar-lhes-ia mísseis Qassam).

** Todo o conteúdo deste post foi descaradamente picado do Haaretz.

10 comments:

Anonymous said...

Gostei bastante de ler. E confesso a minha parcialidade. Também sou do lado do mesmo país (mas isso o meu caro amigo já sabia).

Nuno Miguel Guedes said...

Very well done, sir. É altura de acabar com o mito da palestina mártir e reconhecer que Israel é a única Nação que é um estado de direito no Médio Oriente e a única que partilha minimamente o conceito civilizacional de dignidade humana. Um conceito ocidental? Ah pois é. Mas os relativismos culturais que se fodam.
Substituiria apenas a palavra «tolerãncia» (que odeio) por «respeito».

vou linkar-te. Boa Páscoa!

cs said...

passei aqui hoje pela primeira vez, e vou linkar.

Muito bom este texto, e já agora eu tb sou do lado desse País.

Pedro Viseu said...

também já linkei

Flávio said...

Muito bom texto. Também sou do lado do povo que fez um jardim de uma nesga de deserto e que nos deu o Einstein, o Elie Wiesel e o Woody Allen. Mas adoro as paradas gay.

Anonymous said...

Também sou do lado desse país. cristina

Anonymous said...

«Very well done, sir. É altura de acabar com o mito da palestina mártir e reconhecer que Israel é a única Nação que é um estado de direito no Médio Oriente e a única que partilha minimamente o conceito civilizacional de dignidade humana. Um conceito ocidental?»

Caríssimo,

... esqueça. Depois de ler umas coisas, se voltar, pudemos discutir. Até lá, vou exercer para consigo a boa da "tolerância".

José, o Alfredo said...

Obrigado aos novos visitantes pela visita e pelos comentários (incluindo até este último anónimo, assaz críptico e vagamente ameaçador... algum jihadista com dificuldades no português, possivelmente). Obrigado ao meu amigo major pela linkagem e subsequente afluxo de novos visitantes. Estive quase quase a substituir a tolerância pelo respeito, que é realmente um conceito muito mais positivo. No último momento apercebi-me de que, infelizmente, era mesmo tolerância que eu queria dizer. Sendo um sentimento muito menos nobre que o respeito, é muito mais frequente e exige muito mais auto-contenção. "Detesto aqueles cabrões, apetecia-me mesmo era dar-lhes umas chapadas, proibí-los, exterminá-los... mas vou-me controlar" — isto é, mais coisa menos coisa, o que vai na cabeça do tolerante. Quem respeita merece toda a nossa admiração no plano moral, mas não tem que fazer esforço nenhum para não dar umas lambadas; quem tolera merece alguma admiração no plano ético, porque não dá as lambadas que lhe apetece dar. Ou seja: enquanto não chegamos ao desejável (o respeito), ao menos que haja o possível (a tolerância).

CPrice said...

agradavelmente surpreendida pela posta dou-lhe, acima de tudo, os parabéns pela franqueza deste seu comentário.

José, o Alfredo said...

sabe bem receber estes parabéns. obrigado e continue a voltar, once in a while.