"Pode ser que sim. Pode ser que não. Não posso garantir." - in Astérix, A Volta à Gália

3.3.08

O de Otário


Há muitas circunstâncias na vida que me fazem desconfiar que sou um verdadeiro otário. Aliás, se fosse menos otário já teria a certeza absoluta de que sou otário. Veja-se o seguinte exemplo, ocorrido na passada sexta-feira logo após o almoço.

O almoço foi de iscas no Zé Russo com direito a reencontro com amigo de longa data ultimamente um pouco mais afastado do que era hábito (reencontro que aliás até passou por contactos interblogais). Até aqui tudo bem. Tudo óptimo, mesmo. Bestial.

Acaba-se o almoço. Pega-se na chávena do café, fuma-se um cigarro à porta do restaurante, reentra-se, paga-se, sai-se de novo. Até aqui tudo mais ou menos. (Não me vou pôr a falar da vida de um fumador nos dias que correm.)

Trocam-se umas últimas palavras com o referido amigo e ala que se faz tarde. Ele mete-se no carro dele, nós (três de nós) metemo-nos no meu. Estes reencontros com amigos de longa data têm uma certa tendência para fazer com que o relógio ande mais depressa do que devia, por isso a ideia é não perder tempo no caminho de regresso ao trabalho. E é agora, nestas circunstâncias, que o otário se vai revelar.

Arranco, faço inversão de marcha, páro num semáforo, contorno uma rotunda. À saída desta rotunda há uma passadeira. Junto à passadeira encontra-se um peão. Tem pouca estatura, alguma idade e uma bengala. O que é que se faz numa situação destas? Há que ver que a via é larguíssima, tem umas três ou quatro faixas, mais que suficiente para passar à larga, mesmo que o sujeito decida avançar. E o homem ainda nem esboçou um gesto para começar a atravessar. E é tarde. Qualquer bom português, a começar por um dos que me acompanha, daria um pequeno aconchego no acelerador e despacharia o assunto sem qualquer problema e sem mais demoras. “Vais parar? Nunca mais vais sair daqui”. Eu, otário, páro.

Numa ocasião destas, um otário como eu pensa: “Se eu não parar, se ninguém parar, o senhor nunca mais consegue atravessar”. Enquanto outro, menos otário, se chegaria à frente, eu, otário, páro.

O senhor, com a mão que não leva a bengala, faz um gesto de agradecimento a que, na realidade, nada o obriga. Um gesto que não faz mais que alimentar o otário que há em mim.

4 comments:

Anonymous said...

Conheço a sensação. Quem me conhece sabe que sei do que estou a falar. E o filho da mãe do post mais não fez que reavivar o conceito de otário, talvez por se chamar desinfeliz de juízo. Mas vamos por partes, que não me dou por vencido assim tão facilmente.
Otário: diz-se popularmente de pessoas que se deixam enganar facilmente.
civismo: refere-se especificamente às atitudes e comportamentos que no dia-a-dia manifestam diferentes cidadãos na defesa de certos valores e prácticas assumidas como fundamentais para uma vida colectiva (visando preservar a harmonia e melhorar o bem estar de todos).
Caraças... cultivar (e praticar) o civismo faz de nós otários? Irra, se calhar faz... ;)

CPrice said...

A de OtáriA também fica bem.
e eu também páro.
Mesmo com a reclamação latente de quem me acompanha na pressa.
e também me afasto da porta do elevador para deixar passar os mais velhos. e até cumprimento imagine, quem entra no elevador. Seguro portas e digo se faz favor e obrigada tantas vezes por dia que quem ouve, cansa-se!
e não, também não vou por-me a falar da vida de uma fumadorA por estes dias ;)
penso que não tenho salvação possível.

José, o Alfredo said...

Não quero parecer presunçoso, Once, mas otário como eu é difícil de encontrar. Eu faço pisca no meio do Alentejo, apanho o cocó do cão e para além dos bons dias à entrada do elevador ainda dou as boas tardes à saída (os elevadores que frequento são particularmente lentos).

CPrice said...

ok .. você não tem salvação possível. para mim haverá quiça alguma esperança.
;)