"Pode ser que sim. Pode ser que não. Não posso garantir." - in Astérix, A Volta à Gália
11.1.07
A Luz ao fundo do túnel no Médio Oriente!
Aviso desde já que vou abordar simultaneamente (ou seja, misturar) dois assuntos de enorme importância: o Sport Lisboa e Benfica e a situação no Médio Oriente. Porquê? Porque o segundo assunto não é tão pouco importante como isso e porque, desinfelizmente ou talvez não, a vida não é só futebol.
Vamos aos factos: o Sport Lisboa e Benfica fez mais uma vez aquilo que lhe cumpre e aquilo para que é talhado, que é vencer. Neste caso, o que o Benfica ganhou (para além de mais glória e mais um milhãozito ou outro) foi o Torneio do Dubai.
Os não-benfiquistas, e entre estes a sub-espécie dos anti-benfiquistas, poderão fazer de conta que nada disto tem importância. Os analistas e os responsáveis políticos, bem como uma boa parte da comunicação social considerada séria e de referência, podem, muito simplesmente, deixar que o seu habitual snobismo os impeça sequer de tomar conhecimento dos factos, só porque têm a ver com o desporto (e logo para mais o futebol, pois se fosse cricket, golfe ou ténis ainda se poderia dar o caso de alguma mente mais lúcida dar a devida atenção ao acontecimento e às suas possíveis repercussões).
Voltemos aos factos (maioritariamente recolhidos em fontes tão respeitáveis e insuspeitas quanto a Wikipédia e o Site Oficial do SLB). Para quem não saiba, o Dubai é um dos sete Emiratos Árabes Unidos, que ficam ali como quem bordeja o Golfo Pérsico e também o Golfo de Oman. Com o vento a favor, uma cuspidela ou mesmo um barril de petróleo lançado para norte pode facilmente atingir o Irão. Se, pelo contrário, o vento soprar para sul, o atingido será a Arábia Saudita. Por aqui se pode ver a importância geo-estratégica do Dubai e dos seus pares (importância tal que, noutros tempos, estes territórios eram denominados Estados Truciais, e não al-Imarat al-Arabiya al Muttahida, como sucede agora).
Continuando no domínio dos factos: cabendo ao Abu Dhabi o Califado desta união de Emiratos, o cargo de Primeiro-Ministro está entregue ao Emir do Dubai. E, pelos vistos, não podia estar em melhores mãos. O actual, Sua Alteza o Sheikh Mohammed bin Rashid Al Maktoum, para além de se poder orgulhar da bandeira do seu Dubai (que se descreve numa só palavra: encarnada e branca), teve em boa hora a ideia de apadrinhar e acolher um Torneio de Futebol. Convidou, para o efeito, um grande clube de um pequeno país (o Sport Lisboa e Benfica), um grande clube de um grande país (o Bayern de Munique), um clube médio de uma grande cidade (a Lázio de Roma), e um clube qualquer de um país mérdio (o Marselha).
Só a escolha deste elenco revela os dotes de estadista e a perícia diplomática que tanta falta fazem, de momento, entre os maiores actores do drama político mundial, e muito em especial nos palcos do Médio Oriente. Ao não convidar o Cosmos de Nova Iorque, o Manchester United, o Chelsea, o Maccabi de Tel-Aviv, o Al Ahly ou qualquer outro dali ao pé, este bom homem afastou de imediato qualquer possibilidade de aproveitamento político do evento. Mais: ao convocar apenas equipas europeias (europeias no sentido estrito, ou seja, do continente europeu, britânicos à parte), S.A. o Sheikh Mohammed bin Rashid Al Maktoum forçou a Europa a fazer aquilo que toda gente reclama, de Ana Drago a Pacheco Pereira, de Ana Gomes a Nuno Rogeiro, passando pelo próprio Mário Crespo: intervir na zona, ter uma voz na região, assumir o seu papel de jogador no terreno.
Ora, quem melhor que um Petit para intervir na zona sem receios? Que voz melhor que a de Beto para se fazer ouvir acima dos gritos da discórdia e dos rebentamentos de mísseis ou de bombistas suicidas? Quem melhor que Fernando Santos, engenheiro e profundamente católico, para levar a cabo essa obra aparentemente impossível que é construir a paz no Médio Oriente? Mais que Emir do Dubai, mais que Primeiro-Ministro dos Emiratos Árabes Unidos, S.A. o Sheikh Mohammed bin Rashid Al Maktoum é um visionário e um potencialíssimo Nobel da Paz.
Claro que, voltando aos factos, nada disto levaria a lado nenhum se ganhassem os franceses, ou os alemães, ou os italianos. Tanto em termos futebolísticos como em termos militares, está muito visto e podia ser sempre um pouco assustador para alguém. O que está certo é ser o grande clube do país pequeno (pequeno, mas fundador da NATO, note-se) a triunfar. Claro que, a vencer o Benfica (como seria de desejar, a bem da Humanidade), melhor seria que isso acontecesse de uma forma o mais pacífica possível. E assim foi. Dois jogos, dois empates a zero. Nada de dominações, nada de ataques gratuitos, nada de estratégias suicidas, nada de minimamente ofensivo fosse para quem fosse. Depois os penalties. Contra o Bayern, Moreto resolve a questão com duas defesas. No Pentágono, na Casa Branca, no Knesset, no nº 10 de Downing Street, em cada mesquita e na casa de cada benfiquista teme-se o pior. Como em qualquer situação delicada que se preze, há um momento em que parece que tudo está perdido. Mas, no momento decisivo, nos penalties da final, Moreira responde com três defendidos, o último dos quais a remate do guarda-redes contrário. E, para acabar com um toque de esperança no futuro, o golpe de misericórdia é dado por Pedro Correia.
“Foi pelos pés (e mãos) de dois produtos das suas escolas de formação que o Benfica terminou em estilo a sua participação no Torneio do Dubai”. As palavras, como as aspas indicam, não são minhas. Vieram daqui, com distanciamento e talvez mesmo com algum excesso de modéstia. O que aconteceu no Dubai foi uma grande lição para todos nós, a começar e a acabar nos benfiquistas, mas sem esquecer os sunitas, os xiitas, os curdos, os marines, a Mossad e o Ahmadinedjad. Pedro Correia, uma estreia absoluta, jogou de início, não revelou nervosismo, possui técnica, gosta de subir no flanco e sabe centrar. Marcou o penalti decisivo e foi devidamente recompensado com uma saraivada de caldunços como poucas vezes tenho visto, mesmo naquela zona do globo. Para dar só um exemplo do comportamento das nossas tropas, a atitude do próprio Marco Ferreira, que também não falhou a sua grande penalidade, é classificada como excelente em todos os relatórios que consultei. Quantos daqueles gabirús que andam lá metidos naquela confusão toda se podem gabar de uma folha de serviços destas?
Finalmente (é mesmo para acabar, prometo), só mais um facto: quem decidiu que era ele que ia assumir o risco do pontapé da marca da grande penalidade foi o miúdo, o Pedro Correia. Não foi o Mister, não foi o Engenheiro. Este facto encerra em si a maior das lições e o mais fecundo dos ensinamentos. Com menos interferências externas, e com mais confiança em jovens destemidos mas que saibam levar uns caldunços com fair-play, não há nada que não se resolva. Mesmo com o Irão em cima, a Arábia Saudita em baixo e o Moreto por perto.
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