"Pode ser que sim. Pode ser que não. Não posso garantir." - in Astérix, A Volta à Gália

10.6.08

Double diaeresis


Para quem não tenha o seu Thesaurus ou Webster's à mão, é justo começar por esclarecer que diaeresis não é mais nem é menos que um trema. Ou seja, um diacrítico, um acento gráfico que assume a forma de dois pontinhos que se colocam, um ao lado do outro, por cima de uma vogal que se quer assinalar como sílaba independente ou como mais longa que o habitual. Nada mais nada menos que um trema, repito.

Os alemães, gente bruta e pouco sensível a estas coisas, chamam-lhe umlaut, talvez porque lhes dá jeito. Mas alguma coisa teriam de lhe chamar, faça-se-lhes a justiça, porque usam daquilo à ganância. E diaeresis, embora soe bem, não é palavra que se use por aí a torto e a direito.

Quem pelos vistos também não se faz rogado no uso destes excelentes diacríticos são os suecos. Vejam-se, a título de exemplo, os dizeres que a Federação Sueca do Pé-na-Bola escolheu para engalanar o seu autocarro no Euro 2008: Sveriges gäng = full poäng (para quem já não sabe ao certo onde guardou o seu Sueco-Português da Porto Editora, o Desinfeliz fornece, a título inteiramente gratuito, a versão portuguesa oficialmente recomendada pelo site da Uefa: Selecção da Suécia, que sonho de equipa).

Diaeresis (favor pronunciar dái-é-ri-zis) é como os ingleses chamam ao umlaut dos alemães, ao nosso trema (nosso, quer-se dizer... os brasileiros é que ainda o usam, quanto mais não seja para depois poderem dizer que nós é que complicamos a escrita da língua deles; mas eis que divago em demasia; não queria afastar-me de assuntos europeus). Obviamente, os ingleses usam pouquíssimo e com muita elegância, de preferência em palavras de origem francesa, como naïve. As manas Brontë também não passavam sem o seu
diaeresis, mas não é espécimen que se encontre em abundância para lá da Mancha.

O mais delicioso desta pequena viagem no autocarro das línguas é que ela nos leva, inexoravelmente, à etimologia. Ah pois é. Chegados à etimologia, apeamo-nos, bebemos um Absolut estapafurdiamente gelado e constatamos, com pouca surpresa mas com enorme gozo, que uma palavra destas — diaeresis — vem do grego. É neste tipo de circunstâncias, quando se sabe que o Sveriges gäng, esse autêntico dream team, espetou dois nos gregos, que muita gente dá por si a grafar um lol ou um :D. Eu confesso que tenho um fraquinho pelo ehehehehhehehhehhehehe, sem gelo e sem itálicos.

É também nestas alturas que tenho pena do senhor das barbas, homem de reconhecida craveira intelectual, perfeitamente capaz de apreciar as riquezas da etimologia e as subtilezas da acentuação e respectiva anotação diacrítica, mas que se auto-exclui destes prazeres que a vida tem para nos där.

(Notem que chego ao fim do post sem sequer referir o Paranormal. Sou uma boa alma, eu. Incapaz de relembrar que o Paranormal nos fez perder duas vezes com os gregos. Demasiado generoso para sublinhar que a segunda dessas vezes equivale, para todos os efeitos, ao esbulho da Taça. Eu lá seria de guardar rancor e ódio ao Paranormal? E depois transferi-lo também para os retardados dos gregos e vir para aqui destilar esses maus sentimentos? Regozijar-me com dois secos dos suecos só porque foi a Grécia que levou? Rir-me a bandeiras despregadas com o fenomenal ridículo daquele segundo golo só porque o Nikopolidis em particular e a Grécia em geral fazem figura de urso? Refastelar-me depois com estas bizantinices dos tremas e gozar sadicamente com os dois que os suecos levam no autocarro? Só porque diaeresis vem do grego? Eu? Nada dïsso.)

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