Claro que um homem pode sempre abster-se, como em qualquer outra eleição. Mas, até chegar a essa sábia decisão, não fica mal considerar as outras hipóteses.
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Comecemos então pelo princípio, por Dom Afonso Henriques. Com muita pena minha, atendendo ao respeito e admiração que nutro pela mandatária do candidato, este não levará seguramente o meu voto. Parece-me muito deprimente, quase 900 anos depois, chegar-se à conclusão que o melhor português de todos foi o primeiro. Chega a ser falta de consideração pelo próprio Afonso Henriques e pela trabalheira que lhe deu inventar o país. Seria apropriado para um país recém-criado, ou para um país maioritariamente povoado por gente tão orgulhosa que a única forma de não ferir susceptibilidades fosse atribuir os louros ao pai da pátria. Sendo Portugal e os portugueses o oposto disso, o Dom Afonso Henriques terá de passar sem o meu voto.
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Segue-se, na ordem alfabética, Álvaro Barreirinhas Cunhal. Não tenho problemas em renunciar ao direito ao segredo do voto: em vida dele, cheguei a votar no partido dele. E não excluo a posssibilidade de voltar a votar no PCP (tal como não excluo voltar a votar no PPM, por exemplo). Mas duvido que o próprio Cunhal gostasse de se ver ali, naqueles preparos, a ver quem é O Maior. E mais: um homem que passou a vida toda a lutar, entre outras coisas, pela unidade e contra o trabalho de fracção, dificilmente gostaria de ver ganhar um candidato tão fracturante quanto o próprio.
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Next: Salazar, António Oliveira de. Para além de fracturante, para não lhe chamar outras coisas, este seria talvez um óptimo candidato ao título de O Mais Portuguesinho de Todos os Tempos. Mas o título em disputa não é esse. E, se por algum acaso eu me fosse preocupar com o que o próprio poderia pensar a respeito disto, tenho a certeza que nunca aprovaria um método de escolha que passasse pelo voto dos portugueses. Adiante, portanto, que atrás vem Gente com maiúscula.
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Segue-se o candidato-revelação, Aristides de Sousa Mendes. O nosso Schindler. O Manuel Alegre desta eleição. Mas, e aqui o mandatário Júdice marcou três pontos logo no primeiro lançamento, este candidato pode ser visto de outras formas muito mais interesssantes: não só como o segundo candidato de toda a gente (o menos fracturante), mas também como exemplo do que qualquer português pode fazer na medida das suas possibilidades, e como exemplo do que qualquer português deve fazer no plano da ética e da moral, se necessário contra o poder e a ordem, com princípios e coragem em vez de subserviência e medo. Vistas assim as coisas, confesso que ainda não decidi não votar neste.
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Fernando Pessoa. Será sempre uma hipótese, e não podia estar mais bem mandatado. O que me desassossega é a concorrência do Camões...
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Infante D. Henrique. Este tem o problema de vir num pacote, na turma dos Descobrimentos. E aí a minha preferência vai para o D. João II.
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Assim sendo, ficamos também conversados sobre o Vasco da Gama.
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Camões. Mais um que faz um homem hesitar em abster-se. Candidato fortíssimo, temível, por quem sinto um fraquinho, indisfarçável.
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E resta o Marquês de Pombal. Claro que, numa segunda volta contra o Salazar, nem haveria hesitação nem questão de engolir sapos. Mas, por mais esclarecido, déspota é déspota. E, neste caso, o mandatário não me parece que vá ajudar grande coisa à causa.
Destarte, e numa primeira abordagem, o Desinfeliz balança entre um Camões e uma abstenção, com um pouco de Mendes, de Pessoa e de D. João II pelo meio.
7 comments:
Olá, Desinfeliz. O acaso me trouxe a seu blogue, por coincidência, num ocaso. Mais acaso porque sou brasileira e, assim, lhe deixo comentário d'além mar.
Realmente, não sei dos referendos portugueses, mas sei que hoje é meu aniversário e Pessoa me agrada, principalmente se o Pessoa-Álvaro de Campos que, apesar de tudo, perde em histero-neurastenia para a maioria dos políticos...
Abraço!
Parabéns. E apareça sempre, mesmo quando não for o seu aniversário.
Uma eleição para o Maior português que não conta com o meu tio-avõ, António Monteiro, célebre mandador de fogueiras (pelo S.João) em Coimbra, que tinha de cognome "O Calmeirão", para mim está inquinada à partida.
Já agora, o Calmeirão ficava deitado á frente dos convidados nas fotos de casamento. Por isso se não era o maior andava lá perto.
Eu confesso que me dói, mesmo sem ter conhecido o personagem, só do que ouvi falar, a ausência do Verniz. O Verniz era uma figura pública e bastante notória de Castelo Branco. Para além de exercer vagamente o ofício de engraxador, de onde lhe terá vindo o cognome, intitulava-se (e nunca ninguém o contestou) O Maior Bêbado da Piscina Ibérica. Nas entarameladas palavras do próprio, tal como me foram relatadas: "Eu sou o Verniz, o maior bêbado da piscina ibérica. Quando eu morrer, fazem-me uma estátua, no Largo da Câmara, a dizer — Verniz, O Maior Bêbado da Piscina Ibérica". Que eu saiba, não lhe fizeram a estátua. E agora, tal como o Calmeirão, a Amália, o Eusébio e o Marocas, ei-lo que não surge nos 10 Mais. Cada vez me inclino mais para a abstenção.
Outro grande português de 1,55m foi o soldado "Milhões", como falámos. Que na batalha de LaLys cobriu a retirada dos aliados, sozinho amais a sua "Luíza" durante 5 dias. A memória atraiçoou-me, ou a empolgação da evocação, e nem ele foi apanhado pelos alemães nem estes o condecoraram, mas os aliados ingleses, sim. Chamava-se Aníbal Augusto Milhais, e o seu comandante sabendodo seu feito abraçou-o e terá dito: Chamas-te Milhais, mas vales por Milhões.
Confesso que desconhecia a existência (e a resistência) do Soldado Milhões. Mas, a ir por aí, também não posso deixar de chamar a atenção para o Cabo Avelar Pessoa. Em Junho de 1666, este bom homem comandava a Fortaleza de S. João Baptista, sita na Ilha da Berlenga. Uma poderosa esquadra espanhola, cujo verdadeiro propósito era interceptar um navio que ia passar ali perto e raptar uma princesa qualquer que seguia a bordo (mais por razões de ordem política do que sexual, presume-se, pois a jovem ia a caminho de casar com el-rei de Portugal e isso, por uma razão ou outra, não gozava do apoio e simpatia de nuestros hermanos), enquanto o tal navio da princesa aparecia e não aparecia, entreteve-se a conquistar a referida Fortaleza. Nesta versão de David e Golias, estamos a falar de uma esquadra de 14 navios contra uma actual Pousada da Juventude defendida por 28 caramelos (comandados por um cabo, note-se, por ausência do capitão, que por acaso era o irmão). Ora o que aconteceu é que o Cabo Avelar Pessoa e seus bravos não só não se renderam como ainda infligiram pesados estragos na esquadra, que já estava a pontos de desistir da gracinha, não fora a traição de um tal de Lucas Alves, um miserável que se foi bufar aos espanhóis que a comida e a munição estavam mesmo a acabar e que o moral lá dentro também já não era grande coisa. Animados com estas novas, os espanhóis retomaram o ataque e lá conseguiram conquistar a fortaleza. Mas o sacrifício do Cabo Avelar e daquela mancheia de varões assinalados não foi em vão, pois os espanhóis, naqueles entrementes, distraíram-se e deixaram passar o navio e respectiva princesa. Não sei se o Cabo Avelar Pessoa foi condecorado, mas é com o seu nome que têm sido baptizados os navios que asseguram as ligações regulares entre Peniche e a Berlenga. Daí que, tal como o Soldado Milhais, também o Cabo Avelar Pessoa viu o seu nome adaptado para Cabo a Levar Pessoas.
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