"Pode ser que sim. Pode ser que não. Não posso garantir." - in Astérix, A Volta à Gália

31.3.08

O pescado original

Lamento informar todos os que ainda vão comprando a célebre ideia de que Israel é o grande responsável pela tragédia dos palestinianos, que por sua vez é a mãe de toda a instabilidade no Médio Oriente: esse peixe está estragado. E não é por ser um peixe antigo. Já estava estragado no dia em que começou a ser vendido. Segue-se uma pequena lista de citações e outras declarações, todas de fontes insuspeitas de sionismo ou colaboracionismo, que atestam a manifesta falta de qualidade desse pescado.
"O facto de que estes refugiados existem é consequência directa do acto dos estados Árabes, de se oporem à partição e ao estado Judaico. Os estados Árabes acordaram unanimemente nesta política e têm de partilhar a solução do problema."
Emile Ghoury, secretário do Alto Comité Palestiniano-Árabe, em entrevista ao Beirut Telegraph, 6/9/1948

"O factor mais forte (na debandada dos Palestinianos) foram os anúncios largamente difundidos pelo Alto Comando Palestiniano-Árabe, apelando à fuga de todos os árabes de Haifa... Era claramente referido que os árabes que permanecessem em Haifa e aceitassem a protecção dos judeus seriam considerados renegados."
London Economist, 2/10/1948

"Os civis árabes entraram em pânico e fugiram miseravelmente. Em muitos casos as localidades foram abandonadas antes de serem ameaçadas pelo progresso da guerra."
General John Glubb "Pasha" (o retratado comandante da Legião Árabe), The London Daily Mail, 12/8/1948

"Os estados Árabes que encorajaram os palestinianos a deixar temporariamente as suas casas, para deixarem o terreno livre à invasão dos exércitos árabes, não cumpriram a sua promessa de ajudar estes refugiados."
Diário jordano Falastin, 19/2/1949

"O dia 15 de Maio de 1948 chegou... Nesse dia o mufti de Jerusalém apelou aos árabes da Palestina para que deixassem o território, porque os exércitos árabes estavam prestes a chegar e a lutar por eles."
Diário egípcio Akhbar el Yom, 12/10/1963

"O êxodo árabe não foi causado pela própria guerra, mas sim pelos exageros propagados pelos líderes árabes com o objectivo de incitar à luta contra os judeus. Os responsáveis pela fuga e pela queda das nossas terras são os nossos líderes, por terem disseminado boatos que exageravam os crimes dos judeus e lhes atribuíam atrocidades, com o intuito de inflamar os árabes. Ao espalhar rumores de atrocidades dos judeus, matanças de mulheres e crianças, etc., instilaram o medo e o terror nos corações dos árabes da Palestina, a ponto de estes fugirem e abandonarem as suas casas e propriedades ao inimigo."

Diário jordano Al Urdun, 9/4/1953

"Os governos árabes disseram-nos: saiam para nós entrarmos. Então nós saímos, mas eles não entraram."
Refugiado citado pelo Al Difaa, Jordânia, 6/9/1954

"Desde 1948, somos nós que temos exigido o regresso dos refugiados, ao mesmo tempo que fomos nós que os fizemos sair. Fizemos abater o desastre sobre um milhão de refugiados árabes, ao convidá-los e pressioná-los para sairem (da Palestina). Acostumámo-los a mendigar e contribuímos para a descida dos seus níveis sociais e morais. Depois explorámo-los na execução de crimes de assassínio, fogo posto e apedrejamentos, tudo ao serviço de interesses políticos."

Khaled el-Azm, primeiro-ministro sírio após a guerra de 1948, em memórias publicadas em 1973

"Os estados Árabes conseguiram dispersar o povo palestiniano e destruir a sua unidade. Não o reconheceram como um único povo até os outros estados do mundo o terem feito, e isto é lamentável."

Abu Mazen (Mahmoud Abbas), no jornal oficial da OLP, Beirute, Março de 1976

"Os exércitos árabes entraram na Palestina para proteger os palestinianos da tirania sionista, mas em vez disso abandonaram-nos, forçaram-nos a emigrar e a deixar a sua terra natal, impuseram-lhes um bloqueio político e ideológico e meteram-nos em prisões parecidas com os ghettos em que os judeus costumavam viver na Europa oriental."
Idem

"Aos Reis e Presidentes (dos países Árabes): A pobreza está a matar-nos, os sintomas estão a esgotar-nos e as almas estão a deixar os nossos corpos, e no entanto vós continuais à procura da forma de prestar auxílio, como alguém que procura uma agulha num palheiro ou como os exércitos dos vossos antecessores no ano de 1948, que nos forçaram a sair (de Israel/da Palestina) sob o pretexto de não haver civis no campo de batalha... Então, o que é que a vossa cimeira irá fazer agora?"
Carta dirigida à Cimeira Árabe em 2001 por um palestiniano preso em Acre (figura anexa)

27.3.08

O que é bom é para se ler

Via Tradução Simultânea (blog de amigo e dos bons) cheguei aqui. E não há volta a dar. Quando se encontram coisas destas o que há a fazer é linkar prontamente. O Desinfeliz, muito parco em links, passa a ter mais um (o primeiro de autor desconhecido, por sinal).

Abróchense el cinturón

Estimados leitores, vamos viajar um pouco no tempo. Vamos recuar até Dezembro de 1980. Apertem os cintos, por favor, fasten seat belts, abróchense el cinturón. E cá vaaaaaaaaaaaaaaaaaaamos nóóóóóóóós!

Zut zut zut

Chegámos. Vamos ligar o rádio e ver o que se ouve por esta altura.

Acordai, homens que dormis

(opah, Lopes Graça... nada mal, mas vamos procurar outras coisas... coisas mais recentes)

E uma vontade de rir nasce do fundo do ser

(olha, os Xutos! E esta é tão recente que ainda nem saíu, só vai sair em 1985... devemos estar com uma ligeira turbulência na sincronização do espaço-tempo, nada de grave...)

...Ask the Dalai Lama in the hills of Tibet,
How many monks did the Chinese get?


Eia! Bestial, esta música! Isto é o tal triplo-álbum dos Clash, o Sandinista!!

Grzgh grzgh grzhgrg

Que é isto?! Estamos a viajar novamente... e agora para a frente... porcaria destes viajódromos, não há maneira de funcionarem como deve ser... e pronto, já chegámos. Vamos lá ver é onde, ou seja quando, é que viemos aterrar... liguemos o rádio...

Acha então que boicotar os Jogos Olímpicos na China é uma opção? (vá lá, voltámos ao presente, podia ser pior)

De volta a 2008, podemos recolher os ensinamentos desta suposta viagem e ir directo ao assunto: boicotar os Jogos Olímpicos? Agora?? Tende a santa paciência!

Acordai, homens que dormis. E preparai-vos para que, no momento em que vos olhardes ao espelho, nasça dentro do vosso ser uma vontade de rir. Ou não. Sois talvez cegos. E surdos. Em 1980, provavelmente estaríeis entre os que se queixavam desses punks horrorosos, que tocam tão alto, cruzes, credo. Mas por muito alto que tocassem não conseguiram tocar essas vossas mentezinhas pequeninas, imersas lá no fundo da vossa abismal ignorância e da vossa virginal inocência, sempre pronta a reagir ofendidíssima e sempre sem saber a quê, nem porquê, nem para quê.

Porquê boicotar, agora, os Jogos Olímpicos? O que é que mudou na China, ou no Tibete, já não digo desde 1980, mas desde que a organização dos Jogos foi atribuída à China? E de que é que serviram os boicotes aos Jogos Olímpicos de Moscovo? Ou aos de Los Angeles? Não terá sido bem mais eficaz a presença (e a prestação) dos atletas negros em Berlim, em 1936, bem debaixo do bigodinho do Tio Adolfo? E nessa altura ainda nem sequer havia televisão, que faria se houvesse.

A vontade de rir que os vossos ocasionais despertares provocam é ainda mais funda que o vosso habitual adormecimento, ó eternos embalados nos colos das vontades de outrém. Deixai desabrochar os vossos próprios pensamentos, ó passageiros dos tempos. Desapertai os cintos que vos tolhem os sentidos e as vontades, ó companheiros de caminhada. Clicai aqui, vede e escutai, que mal não vos fará. Se quiserdes, podereis até ler a letra da música. No caso de não vos interessar, ela lá estará na mesma. Sois, como sempre, livres de ignorar. E se preferirdes a letra sem a música e sem o slideshow, tomai-a lá.

Washington Bullets
(The Clash)
U.K. Release Date: 12/12/80

Oh! Mama, Mama look there!
Your children are playing in that street again
Don't you know what happened down there?
A youth of fourteen got shot down there
The Kokane guns of Jamdown Town
The killing clowns, the blood money men
Are shooting those Washington bullets again

As every cell in Chile will tell
The cries of the tortured men
Remember Allende, and the days before,
Before the army came
Please remember Victor Jara,
In the Santiago Stadium,
Es verdad - those Washington Bullets again

And in the Bay of Pigs in 1961,
Havana fought the playboy in the Cuban sun,
For Castro is a colour,
Is a redder than red,
Those Washington bullets want Castro dead
For Castro is the colour...
...That will earn you a spray of lead

For the very first time ever,
When they had a revolution in Nicaragua,
There was no interference from America
Human rights in America

Well the people fought the leader,
And up he flew...
With no Washington bullets what else could he do?

'N' if you can find a Afghan rebel
That the Moscow bullets missed
Ask him what he thinks of voting Communist...
...Ask the Dalai Lama in the hills of Tibet,
How many monks did the Chinese get?
In a war-torn swamp stop any mercenary,
'N' check the British bullets in his armoury
Que?
Sandinista!

24.3.08

Conceitos e preconceitos


Ainda a respeito* do Médio Oriente ou do conflito israelo-palestiniano**, o que não falta por aí são mitos e factos fictícios. Um dos mais fortes e perenes, contra o qual a pobre e desinteressante realidade dos factos factuais pouco tem podido, é aquele que nos apresenta Israel como a encarnação do mal em geral e a parte intolerante em particular e o outro lado*** como vítima de intolerância indiscriminada e expoente máximo da tolerância, nomeadamente religiosa.

Resumindo e desbaralhando: havia até há muito pouco tempo uma ideia de que os árabes/muçulmanos eram o exemplo vivo da tolerância religiosa; o que, por sua vez, implicaria necessariamente e automaticamente que os palestinianos, como legítimos representantes ou campeões dessa cultura (para não lhes chamar símbolos ou mascotes de alguns interesses), seriam as vítimas injustiçadas de uma segregação quase sem paralelo.

Como tantas vezes acontece com os mitos e com os factos fictícios, a ideia não era completamente errada, tinha mesmo profundas raízes de verdade que lhe permitiam florescer. O problema é que para encontrar essas raízes históricas, esse fundo de verdade, temos que recuar séculos e mais séculos. Temos que chegar às origens do pensamento democrático, à Revolução Francesa, e recuar ainda uns bons séculos. Temos que chegar à Idade Média, ao período mais negro e mais intolerante do cristianismo (e não, note-se, do judaísmo), para encontrar no Islão um contraponto de tolerância/respeito/civilidade/convivência.

Qualquer tentativa de transposição para os nossos dias só resulta com base na ignorância, no preconceito, na teimosia, na estupidez, na inconsciência e na preguiça mental (isto para só falar nos artigos de venda livre, que se encontram em abundância, sem chegar aos casos mais críticos, que já exigem receita médica, como o fanatismo, a má-fé, o anti-semitismo ou o esquerdismo, por exemplo).

Não vou questionar o facto, comummente aceite, de que uma boa parte do Islão tratava com humanidade os judeus e os cristãos na mesma época em que uma boa parte da Cristandade perseguia fervorosamente os judeus e os mouros (tal como os ateus e os cristãos de outras facções). Também não vou usar os seguintes números como argumento a contrario, porque eles podem simplesmente reflectir a existência e o poder de atracção de um novo estado judaico para os judeus da diáspora, por um lado, e as consequências inevitáveis de umas quantas guerras (ou de umas quantas batalhas da mesma guerra), por outro. Para não usar um argumento falacioso, não uso os números como argumento, mas eles aqui ficam:


Em 1948 (declaração dos dois estados na Palestina, independência de Israel, ou Catástrofe, consoante o ponto de vista) havia 160.000 árabes no território israelita. Em 2003 havia 1.400.000. No mesmo período, a evolução da população judaica em países árabes foi a seguinte:

Argélia: 140.000/<100
Egipto: 75.000/200
Iémen: 55.000/200
Irão: 100.000/11.000
(ok, não é um país árabe, mas para o efeito também conta e não é pouco)
Iraque: 150.000/100
Líbano: 20.000/100
Líbia: 38.000/0
Marrocos: 265.000/5.500
Síria: 30.000/<100
Tunísia: 105.000/1.500

Não tendo usado estes números para defender coisíssima nenhuma (apenas para mostrar que eles existem e que, com inconsciência, ignorância, facciosismo ou má-fé podem ser usados para defender seja o que for), permito-me, isso sim, apresentar alguns dados que justificam que eu seja do lado de que sou. (Quem não tenha mesmo pachorra para factos é favor retirar-se, com um compreensivo e respeitoso shalom da minha parte).

Os 1.400.000 árabes residentes em Israel (e aqui poderá usar-se com propriedade o termo palestinianos) representam 18 a 20% do total da população do país. O árabe é uma das línguas oficiais do Estado de Israel, em pé de igualdade com o hebraico. Existem 5 partidos políticos árabes, que já chegaram a ocupar 10% dos lugares no parlamento.

Exceptuando a Jordânia (onde se considera que existe alguma liberdade académica, expressão artística parcialmente livre e entrada relativamente livre de arte, literatura e imprensa estrangeira), Israel é o único país da região que não tem censura e onde a religião não está fora do alcance da liberdade de expressão e de crítica.

Ponto por ponto (vá lá que são só três...) aqui vão alguns lembretes aos bravos defensores dos oprimidos de todo o mundo:

Ponto 1. Direitos Políticos

Israel tem: a) eleições livres e justas; b) partidos da oposição legais; c) participação política de minorias.

A Jordânia tem um pouco de tudo isto (em doses bastante moderadas para critérios ocidentais, mas tem). A Autoridade Palestiniana permitiu, em certa medida, a legalização de partidos da oposição (como se sabe, o Hamas constituíu-se como partido e ganhou eleições; resta ver se o Hamas permitirá a legalização de outros partidos). No Líbano, apesar de não se poder falar em eleições livres e justas, tem havido alguma existência de partidos e de participação política de minorias.

Países como a Arábia Saudita, o Sudão, a Síria e a Líbia não têm sequer vestígios de nada disto. O Iraque, que até 2003 estava neste pacote, teve depois da invasão eleições aceitavelmente livres e justas e no resto é mais ou menos o que se sabe, para não dizer pior...

Ponto 2. Direitos de Cidadania

Em Israel são reconhecidos a todos os cidadãos os seguintes direitos: a) de Liberdade de Expressão e Reunião; b) de Julgamento Justo e Aberto; c) de Liberdade Religiosa.

Para simplificar, comecemos por dizer que nenhum dos restantes e já referidos países consagra ou reconhece plenamente nenhum destes direitos. A Jordânia aceita os três, mas com restrições. O Líbano reconhece, também com limitações, alguns direitos de expressão, reunião e prática religiosa. O Egipto tolera, até certo ponto, a liberdade de expressão e de reunião. A Autoridade Palestiniana reconhece, pelo menos em teoria, um módico de liberdade de culto religioso.

Ponto 3. Direitos da Mulher

Em Israel a percentagem de iliteracia entre as mulheres (15 anos e mais) é de 4,4%. Na Arábia Saudita é de 30,7%. No Egipto, 56,4%. No Irão: 29,6%. No Iraque: 75%. Jordânia: 15,3%. Líbia: 28,0%. Síria: 36,0%. Autoridade Palestiniana: 23,0%.

Todos estes países (à excepção de Israel) impõem restrições à liberdade de movimentos das mulheres, nomeadamente através da exigência de autorização do marido ou de um parente do sexo masculino para que a mulher possa viajar.

A percentagem de mulheres na população activa é de 45% em Israel. Arábia Saudita: 13%. Egipto: 21%. Irão:12%. Iraque: 18%. Jordânia: 21%. Líbia: 21%. Síria: 19%. Autoridade Palestiniana: 11%.

E é isto.

* Obrigado, major, pela introdução do respeito nestas conversas, que bem precisam dele.

** A receita funciona na perfeição se substituir 'palestiniano' por qualquer outro ingrediente à escolha: árabe, muçulmano e islâmico. Claro que não são sinónimos, mas para o assunto em apreço a única diferença objectiva prende-se com os palestinianos. Acontece que, sem ser os próprios palestinianos, que são pouquíssimos, e os israelitas, que não são muitos mais, ninguém quer saber deles para nada.

*** Uso esta expressão para simplificar. O outro lado são os outros lados todos que não se podem ver em tudo o mais mas que se unem contra Israel. Os referidos na nota anterior (**) serão os mais óbvios, mas há também outros lados, mais à esquerda ou mais à direita: os esquerdistas, os extremo-esquerdistas, os bloco-de-esquerdistas, os relativistas, os neo-relativistas, os neo-fascistas, os neo-nazis...

17.3.08

Uns e os outros

Nem tudo é igual a tudo o resto. Ou seja: nem tudo é indiferente. Ou seja: nem sempre se pode ser neutro. Ou seja: às vezes há que tomar partido. Onde é que eu quero chegar com tudo isto? Ao Médio Oriente. A uma das razões pelas quais sou a favor de um dos lados, e não neutro ou a favor do outro. Essa razão tem uma forma e um conteúdo, a que damos os nomes de democracia e tolerância, respectivamente.

Vem tudo isto a propósito ou despropósito de uma parada de orgulho gay, realizada em Jerusalém. Eu sou do lado do país que — sob ameaça de acções terroristas da Jihad Islâmica, sob uma barragem diária de rockets dirigidos pelo Hamas a uma pequena cidade no Negev*, sob a explícita ameaça iraniana de o apagar da face do planeta num futuro próximo e de até lá apoiar todas as milícias que lhe façam guerra — destaca 8 mil polícias (quase metade dos que tem no activo) para proteger o desfile de um grupo minoritário que é sistematicamente atacado e denegrido por duas das maiores e mais estridentes comunidades da cidade santa: os ultra-Ortodoxos judeus e os Palestinianos.

Sou do lado do país que reconhece que tem uma comunidade gay, a qual por sua vez envidou todos os esforços para garantir que a parada teria lugar longe dos bairros ultra-Ortodoxos e de outras zonas onde facilmente pudesse causar ofensa aos residentes.

Sou do lado do país que tem polícias que fazem frente aos estudantes ultra-Ortodoxos que, aos gritos de "Nazis! Nazis! Nazis!", lhes atiram pedras, garrafas e cocktails molotov, para além de partirem janelas e semáforos e de incendiarem pneus e contentores de lixo.

Sou do lado do país em que os rabis ultra-Ortodoxos, entre os quais os mestres desses estudantes, apesar de chocados pela parada e por aquilo que consideram uma abominação (a homossexualidade), proibiram inequivocamente e em público os seus discípulos de tomarem parte em manifestações violentas.

Sou do lado do país que despreza e reconhece como ridículas as atoardas dirigidas à parada, como "os Nazis deviam ter acabado convosco".

Sou do lado do país que tem um polícia que, quando lhe perguntam o que é aquela bandeira com as cores do arco-íris, responde: "Há rapazes que amam rapazes, e raparigas que amam raparigas".

Sou do lado do país em que a muito influente rádio do exército dá voz à opinião da filha do primeiro-ministro, segundo a qual o direito de manifestação dos gays e das lésbicas é tão legítimo e inalienável como o seu direito de voto.

Sou do lado do país cujo/a ex-representante (e vencedor/a) no Eurofestival, um/a transsexual, defendeu numa entrevista que, por respeito pelo carácter sagrado da cidade, a parada não se deveria realizar em Jerusalém.

Sou do lado do país cuja televisão pública dá tempo de antena a um rabi para que este explique a sua forte oposição à parada e pergunte à entrevistadora o que faria se o seu filho lhe viesse dizer que era gay (ao que a entrevistadora respondeu que o abraçaria e lhe agradeceria pela franqueza).

A parada do orgulho gay em Jerusalém prova a mais poderosa e a mais eficaz das forças de Israel: a capacidade de israelitas muito diferentes viverem uns com os outros e com as suas diferenças.**


* A pequena cidade do Negev chama-se Sderot e já serviu de alvo a 7694 rockets (o Nuno Rogeiro chamar-lhes-ia mísseis Qassam).

** Todo o conteúdo deste post foi descaradamente picado do Haaretz.

13.3.08

O Pós-PPD/PSD

Eu não tenho nada a ver com o assunto, mas mesmo assim custa-me um pedacinho ver o que se passa no PSD. Para além do incómodo natural de ver e ouvir espécimens como o sectário-geral Ribau ou Bota, o grosseirote (como tão bem o classificou Lobo Xavier), custa ver o suposto partido de alternativa de poder transformado em partido de alterne.

Se bem me lembro, até agora as grandes questões levantadas pelo pós-PPD/PSD foram: a forma de pagamento das quotas dos militantes do pós-PPD/PSD; a publicidade na RTP1; o novo símbolo do pós-PPD/PSD; a outra que de momento não me ocorre. Tirando a última, que continua a não me ocorrer, e tirando também a primeira e a terceira, que só interessam verdadeiramente aos militantes do pós-PPD/PSD, resta a segunda.

Algumas semanas de profunda reflexão estratégica e talvez mesmo de aturados estudos económico-financeiros permitiram ao líder do pós-PPD/PSD identificar um dos principais problemas do país (a existência de publicidade no canal 1 da RTP) e prometer a solução que se impõe (acabar com a dita publicidade no dito canal). Ficamos a saber que, para além de questões internas de tesouraria e de simbologia, o pós-PPD/PSD não tem mais com que se preocupar, ou acha que o país não tem mais com que se preocupar, o que vai a dar no mesmo.

Claro que os únicos verdadeiros destinatários da mensagem são a SIC, a TVI e algum eventual terceiro operador privado. Os accionistas das privadas são os únicos que legitimamente, numa altura destas, podem estar preocupados com o assunto. É óbvio que este pós-PPD/PSD não vai chegar ao governo nem que a vaca tussa, e mesmo que, por absurdo e por alucinação colectiva do eleitorado, lá chegasse, não iria certamente cumprir promessa nenhuma, quanto mais essa.

Também é óbvio que o Balsemão e os ustédes da Prisa não serão tontinhos e ingénuos ao ponto de acreditarem na promessa, mas ficam a saber de ciência certa aquilo de que todos já desconfiávamos: o pós-PPD/PSD é um partido de alterne, que se vai vender a quem o quiser comprar.

O que pode levar alguém a querer comprar o Ribau, o Bota e o Menezes, é mais do que a minha imaginação alcança. Mas que los hay malucos para tudo los hay...

10.3.08

E lá se foi o Ti Zé Tó


Lá se foi o Camacho e lá se foram mais dois pontos. Os pontos ainda podem vir a fazer falta.

5.3.08

Lá se foi o Ti Zé


Foi-se a 5 de Março de 1953, o maroto. Em querendo e em havendo pachorra, é ir aqui e ver como foi. Suplantou nitidamente o Ti Adolfo em matéria de bigode e também não se deixou ficar atrás em número de vítimas. Consta que falava (russo, claro) com um fortíssimo sotaque. Eu nem isso.

3.3.08

O de Otário


Há muitas circunstâncias na vida que me fazem desconfiar que sou um verdadeiro otário. Aliás, se fosse menos otário já teria a certeza absoluta de que sou otário. Veja-se o seguinte exemplo, ocorrido na passada sexta-feira logo após o almoço.

O almoço foi de iscas no Zé Russo com direito a reencontro com amigo de longa data ultimamente um pouco mais afastado do que era hábito (reencontro que aliás até passou por contactos interblogais). Até aqui tudo bem. Tudo óptimo, mesmo. Bestial.

Acaba-se o almoço. Pega-se na chávena do café, fuma-se um cigarro à porta do restaurante, reentra-se, paga-se, sai-se de novo. Até aqui tudo mais ou menos. (Não me vou pôr a falar da vida de um fumador nos dias que correm.)

Trocam-se umas últimas palavras com o referido amigo e ala que se faz tarde. Ele mete-se no carro dele, nós (três de nós) metemo-nos no meu. Estes reencontros com amigos de longa data têm uma certa tendência para fazer com que o relógio ande mais depressa do que devia, por isso a ideia é não perder tempo no caminho de regresso ao trabalho. E é agora, nestas circunstâncias, que o otário se vai revelar.

Arranco, faço inversão de marcha, páro num semáforo, contorno uma rotunda. À saída desta rotunda há uma passadeira. Junto à passadeira encontra-se um peão. Tem pouca estatura, alguma idade e uma bengala. O que é que se faz numa situação destas? Há que ver que a via é larguíssima, tem umas três ou quatro faixas, mais que suficiente para passar à larga, mesmo que o sujeito decida avançar. E o homem ainda nem esboçou um gesto para começar a atravessar. E é tarde. Qualquer bom português, a começar por um dos que me acompanha, daria um pequeno aconchego no acelerador e despacharia o assunto sem qualquer problema e sem mais demoras. “Vais parar? Nunca mais vais sair daqui”. Eu, otário, páro.

Numa ocasião destas, um otário como eu pensa: “Se eu não parar, se ninguém parar, o senhor nunca mais consegue atravessar”. Enquanto outro, menos otário, se chegaria à frente, eu, otário, páro.

O senhor, com a mão que não leva a bengala, faz um gesto de agradecimento a que, na realidade, nada o obriga. Um gesto que não faz mais que alimentar o otário que há em mim.